O futebol e a geração distribuída de energia
Por Miguel Segundo*
Nos últimos meses, temos acompanhado diversas polêmicas sobre a arbitragem no futebol brasileiro. Questionamentos frequentes, manifestações oficiais de clubes e até uma CPI deixaram o assunto em alta na mídia e nas conversas de corredor. Aí surge um questionamento, que num primeiro momento soa completamente absurdo: E se os árbitros fizessem parte dos clubes de futebol? Será que conseguiriam ser imparciais ao apitar partidas de seus clubes? Ou então, em uma reta final de campeonato, tenderiam a prejudicar o concorrente direto de seu clube ao título?
Pois bem, quando falamos de geração distribuída de energia elétrica (GD) no Brasil, é algo parecido a isso que está acontecendo. Criada em 2012 pela Resolução Normativa ANEEL 482, que posteriormente, em janeiro de 2022, teve seu marco legal com a Lei 14.300, a geração distribuída permite que consumidores cativos – aqueles que compram energia das distribuidoras sem opção de escolher seu fornecedor – tenham sua própria geração. Além da possibilidade de instalação de painéis fotovoltaicos no telhado ou em uma fazenda solar, existe a modalidade da geração compartilhada, que permite que diversos consumidores participem de um veículo de GD (consórcio, cooperativa ou associação) para alugar usinas de fonte renovável, sem que haja a necessidade de construir suas próprias usinas.
Embora a geração distribuída tenha apresentado um crescimento exponencial desde a sua criação, a geração compartilhada começou a ganhar destaque após o marco legal da GD. A modalidade passou a ter o nome comercial de “energia por assinatura” e diversos players de diferentes segmentos passaram a atuar nesse mercado. Dentre os novos entrantes, vários deles são grupos econômicos que atuam no segmento de distribuição de energia.
Até aqui, tudo bem. O Setor Elétrico Brasileiro já possui característica de verticalização e, inclusive, a maioria das distribuidoras de energia possui em seu grupo comercializadoras de energia que atuam no mercado livre, o que é extremamente positivo, pensando na livre concorrência.
A diferença é que, no mercado livre de energia, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) faz a administração e fiscalização; já na geração distribuída cabe a cada distribuidora de energia fiscalizar a GD em sua área de concessão, tendo a ANEEL como uma espécie de “segunda instância”. Ou seja, uma empresa do mesmo grupo econômico joga, e a outra apita. Isso, inclusive, despertou a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU), que solicitou maiores explicações à ANEEL e determinou a apresentação de um plano de fiscalização para acabar com supostos abusos cometidos na modalidade de “energia por assinatura”.
Se no cenário hipotético de árbitros clubistas fica evidente o questionamento quanto à parcialidade, não é natural que haja essa dúvida para a atuação das distribuidoras de energia na geração distribuída? Deixo a resposta para nossos legisladores e executivos, que devem decidir e agir de acordo com os interesses da população brasileira.