Mercado Livre de Energia: a ilusão da autonomia sem gestão eficiente

Por João Paulo Campos*

A abertura do Mercado Livre de Energia (MLE) trouxe uma promessa sedutora: mais autonomia, previsibilidade de custos, economia e poder de escolha. Desde 2024, companhias do Grupo A já podem migrar para esse modelo, e entre 2027 e 2030, a previsão é que todos os consumidores tenham acesso. No entanto, na prática, essa liberdade nem sempre se traduz em eficiência. O erro começa quando as empresas encaram esse novo modelo como solução final, um ponto de chegada, e não como uma oportunidade de repensar toda a forma como consomem e gerenciam energia. A adesão, por si só, não corrige práticas internas ultrapassadas, nem resolve o problema do desperdício energético já enraizado em processos pouco monitorados.

Migrar sem adotar uma cultura de gestão ativa do consumo é como trocar o fornecedor de água de um prédio com vazamentos e acreditar que a conta vai cair. É claro que negociar tarifas e fontes pode gerar ganhos imediatos, mas esses benefícios são limitados quando não há um controle sobre o uso da eletricidade no dia a dia. O que ainda falta para muitas organizações é enxergá-la como um ativo estratégico, e não apenas uma linha de despesa a ser reduzida. Isso exige um novo olhar — um que considere previsibilidade, monitoramento em tempo real e investimento em tecnologia como partes indispensáveis da equação.

Além disso, com a abertura completa do mercado, é preciso estar preparado para lidar com um cenário mais complexo de contratação e negociação, o que envolve critérios técnicos, jurídicos e financeiros bem estruturados. Sem esse preparo, há risco de comprometer a previsibilidade orçamentária e até expor o negócio a falhas operacionais. A análise do perfil de carga, por exemplo, deve ser constante e atualizada conforme mudanças na produção, especialmente em setores com alta sazonalidade.

Por outro lado, cabe às comercializadoras facilitarem o entendimento do produto, suas ofertas e benefícios, ampliando o acesso do cliente às informações necessárias na pré-venda e no pós-venda. Nesse sentido, cada vez mais essas empresas precisam investir em tecnologia para que, de maneira digital, o cliente tenha uma experiência satisfatória.

Tecnologia, dados e cultura: o verdadeiro tripé da eficiência

A digitalização do setor elétrico oferece caminhos concretos para que as empresas deixem de apenas “comprar energia” e passem a gerenciá-la com inteligência. Ferramentas de IoT, inteligência artificial e análise preditiva são cada vez mais acessíveis e permitem visualizar picos de consumo, prever oscilações e agir preventivamente. Contudo, o problema é que muitos desses recursos ainda são subutilizados ou sequer considerados. A migração para esse modelo deveria vir acompanhada de um plano robusto de governança energética, com metas claras, KPIs e responsáveis definidos. Caso contrário, o risco é apenas trocar de fornecedor e continuar com o desperdício.

Outro ponto que passa despercebido é o papel da cultura organizacional nesse processo. As decisões sobre fornecimento elétrico ainda ficam restritas a áreas técnicas ou financeiras, quando deveriam envolver todas as áreas operacionais e até o C-level. Incorporar a energia à pauta estratégica é fundamental, especialmente diante do crescimento das práticas ESG e da necessidade de tornar as operações mais sustentáveis e transparentes. O MLE pode até oferecer contratos flexíveis, diversificação de fontes e até alternativas renováveis, mas nada disso se sustenta se o uso continuar sendo feito com base em planilhas desatualizadas e decisões reativas.

Não é exagero dizer que o mercado livre revela a maturidade (ou a falta dela) na gestão energética das empresas brasileiras. Ao dar mais liberdade, ele também exige mais responsabilidade. Em vez de enxergar essa transição como a resposta definitiva, é hora de tratá-la como um ponto de partida. Um meio para se atingir algo maior: controle, eficiência, competitividade e impacto ambiental reduzido. No fim, o verdadeiro valor do MLE não está apenas no quanto se paga por kWh, mas no quanto se consegue fazer com ele.

*João Paulo Campos
CEO da Evolua Livre – vertical criada para ampliar a atuação da empresa no mercado livre de energia, e diretor Comercial e de Marketing da Evolua Energia.

Divulgação: Evolua Energia

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