Com a crescente demanda global por semicondutores e os avanços em inteligência artificial e manufatura digital, o setor passa por um momento decisivo. Novas tecnologias prometem acelerar a produção, reduzir custos e aumentar a eficiência, mas também representam desafios para as empresas que precisam inovar em um ritmo sem precedentes.

No centro dessa transformação está Michael Munsey, vice-presidente de soluções para a indústria de semicondutores da Siemens Digital Industries Software. Munsey iniciou sua carreira como engenheiro de projetos na IBM, onde trabalhou no desenvolvimento de semicondutores para mainframes antes de migrar para o mundo das ferramentas e metodologias de EDA (automação de projetos eletrônicos, na sigla em inglês). Munsey exerceu cargos de liderança em empresas como Viewlogic Systems, Cadence, Dassault Systèmes e Methodics, onde adquiriu experiência abrangente, de verificação de projetos e integração de software corporativo até marketing e estratégia.
Desde que ingressou na Siemens em 2021, Munsey lidera a estratégia para a indústria de semicondutores da empresa, supervisionando soluções que abrangem software de EDA, gerenciamento do ciclo de vida do produto, simulação multifísica e plataformas de IA.
Nesta entrevista, ele discute o papel do gêmeo digital no projeto e na manufatura de chips, explica como os produtos definidos por software estão transformando a indústria e analisa o impacto da inteligência artificial em toda a cadeia de valor dos semicondutores.
Veja abaixo os destaques da conversa.
Como as empresas de semicondutores podem contar com a digitalização e usar o gêmeo digital abrangente tanto no projeto quanto na manufatura de semicondutores?
Se observarmos a indústria de semicondutores como um todo, os processos de projeto e verificação já utilizam o gêmeo digital. Os engenheiros usam ferramentas avançadas de EDA para obter arquivos de projeto digital que são entregues à fábrica. Já temos uma indústria que faz um excelente trabalho em termos de projeto com a digitalização.
A lacuna está na manufatura. Ao contrário de outras indústrias que adotaram gêmeos digitais para simular e otimizar seus ambientes de produção, os semicondutores ainda dependem significativamente de experimentação física em tempo real, como a execução de wafers de teste em fábricas e a geração de novos projetos diretamente na fábrica em tempo real. Essa abordagem é cara e demorada, principalmente em etapas mais avançadas.
Agora é a hora de estender a digitalização além do projeto para a manufatura de semicondutores. Isso significa colaborar com as fábricas e os fabricantes de equipamentos para criar gêmeos digitais não apenas dos projetos de chips, mas também dos equipamentos e dos próprios processos de fabricação, e usar os dados de projetos digitais para simular como um projeto interage com um ambiente de manufatura virtualizado. Além disso, aumentar virtualmente o ritmo das etapas do processo permite a implementação de novos projetos em uma fábrica simulada antes de serem levados para a produção física.
Se a indústria conseguir realizar isso, a recompensa será substancial, incluindo redução significativa de tempo, de custos, no prazo para obter rendimentos e no prazo de produção em volume de dispositivos que utilizam os semicondutores. Resumindo, inserir o gêmeo digital na manufatura é o próximo passo lógico para que as empresas de semicondutores permaneçam competitivas e inovadoras.
Quais são os principais benefícios que o gêmeo digital abrangente pode proporcionar ao ecossistema de semicondutores de uma empresa?
Há um aspecto positivo e um aspecto de reflexão nisso. O primeiro benefício, que já mencionei, é fazer as coisas virtualmente. Há uma economia considerável de custos porque você não desperdiça materiais, eletricidade e recursos ao fazer isso. Fazer as coisas virtualmente também permite que você faça muito mais experimentos para acelerar uma etapa do processo.
O uso de um gêmeo digital também oferece às empresas de semicondutores a capacidade de otimizar vários processos fundamentais. Esse é definitivamente o aspecto positivo. Mas, ao mesmo tempo, novos insights permitem um deslocamento para a esquerda. Por exemplo, as fábricas podem aproveitar informações em tempo real da manufatura para aprimorar continuamente os PDKs (kits de projeto de processo, na sigla em inglês). Isso permite que os clientes criem projetos mais fáceis de fabricar e produzir rendimentos, que podem ser entregues à fábrica.
Qual o papel dos produtos definidos por software na indústria de semicondutores, agora e no futuro?
Quando falamos em produtos definidos por software, é difícil pensar em algo que não seja impactado por software hoje em dia. Por exemplo, há cada vez mais softwares nos carros, que são usados tanto para interagir com os veículos quanto nos bastidores, para verificar como o carro realmente opera.
A menos que você ainda esteja construindo locomotivas a vapor, é provável que o produto que você esteja criando seja, de alguma forma, definido por software. Isso quer dizer que existem inúmeros produtos diferentes disponíveis e, com tanta personalização, a noção de ter plataformas de computação padronizadas para construir produtos definidos por software está mudando.
Você raramente diz: “Vou comprar este microprocessador e construir minha plataforma com base nele”. O que você vê são plataformas de processamento personalizadas, adaptadas ao produto e ao software que precisa ser executado nessas plataformas. Isso está mudando a forma de desenvolver os softwares e semicondutores.
Os softwares e os semicondutores estão sendo desenvolvidos em paralelo. Mas o software está sendo deslocado para a esquerda, onde começa a liderar o desenvolvimento de semicondutores. Portanto, é preciso garantir que as plataformas de computação possam lidar com a carga de trabalho de software necessária para executá-las ao tomar essas decisões. Trata-se de tomar decisões para todo o sistema, que são muito mais importantes.
Como as empresas do setor de semicondutores devem abordar o comissionamento e a operação das fábricas?
No passado, todo o conceito de construção de uma nova fábrica consistia em replicar a infraestrutura de uma fábrica na nova instalação, com alguns ajustes ao longo do caminho. Mas quando consideramos questões mais amplas, como sustentabilidade e eficiência, existem maneiras mais eficazes de construir fábricas. Ao analisar o macroimpacto do comissionamento e da operação de uma fábrica, é importante garantir que ela está sendo gerenciada da forma mais eficiente possível. Com isso, fatores como o consumo de eletricidade e água, sistemas de climatização e sistemas de filtração têm um impacto considerável.
A nova abordagem exigiria análise digital para construir as instalações de manufatura, com base em informações detalhadas em tempo real sobre os projetos dentro dessas fábricas. Essa estratégia vai garantir que estamos construindo e comissionando fábricas verdes, com eficiência energética e uso otimizado de recursos.
Como a inteligência artificial e o aprendizado de máquina estão impactando a indústria de semicondutores?
Estamos analisando a IA de vários ângulos. Primeiro, os recursos incorporados aos produtos precisam ter o apoio dos projetos de semicondutores. Segundo, o impacto da execução de cargas de trabalho de IA nesses produtos. E terceiro, como a própria IA está transformando a forma de projetar e fabricar esses produtos.
Portanto, ela está presente em toda a indústria. As ferramentas de projeto e verificação estão muito mais avançadas do que há um ano, devido aos algoritmos de IA que estão sendo integrados a elas. Do ponto de vista da manufatura, isso permite entender como as fábricas operam e ter uma inteligência em nível industrial.
Você pode consultar a plataforma de IA, fazendo perguntas sobre a operabilidade do equipamento de manufatura, possíveis erros e soluções para os problemas. As soluções de IA vão permitir que os trabalhadores da fábrica automatizem a correção de erros na própria fábrica. Estamos vendo as coisas mudando a uma velocidade cada vez maior, desde o projeto e a verificação até a fabricação. Por fim, vemos efeitos significativos da IA que nos permitirão melhorar consideravelmente a forma de projetar, verificar e fabricar semicondutores daqui para frente.