Conceitos equivocados comprometem a segurança das empresas com inflamáveis

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Com o advento da internet e das redes sociais cresceu enormemente a disseminação de informações úteis, porém, o volume de informações inverídicas também aumentou. E, no caso das empresas com atmosferas explosivas, a propagação de uma informação errada pode levar à adoção de procedimentos perigosos que poderão colocar em risco a segurança da instalação. Abordaremos neste artigo três conceitos equivocados, dentre vários outros que já surgiram na internet, que envolvem o tema atmosferas explosivas.

1. A sinalização das áreas classificadas

Uma vez que ainda não há a definição de um modelo oficial de placa de sinalização para áreas classificadas, isso tem provocado a disponibilização na internet dos mais diversos modelos, sem qualquer compromisso com as recomendações das normas ABNT ou ISO.

Placas geralmente caracterizadas por conterem apenas textos como “não fumar”, “usar equipamentos certificados” etc., além de não permitirem seu entendimento por eventuais visitantes estrangeiros, não fornecem as mínimas informações importantes para a segurança das pessoas e da própria unidade industrial.

Um conceito equivocado de sinalização é ilustrado na figura abaixo, que pode ser encontrado de forma similar em unidades industriais. A característica de “excesso de informação” é claramente ineficaz.

EXCESSO DE INFORMAÇÃO
Modelo de placa inadequada para sinalização de segurança, por não atender os requisitos ABNT/ISO.

As informações fundamentais para a segurança nas áreas classificadas são a zona, o grupo de gás e a classe de temperatura permitida. Desta forma, tanto o operador quanto o inspetor de segurança podem rapidamente verificar se uma frente de trabalho está com os equipamentos adequados para uso no local.

Um exemplo de placa que já foi adotado como padrão na Petrobras é o mostrado na figura a seguir, que contém, inclusive, o número do documento de classificação de áreas, o qual deve ser consultado para obtenção de informações complementares e mais detalhadas.

2. O uso de ferramentas comuns em áreas classificadas

O uso de ferramentas metálicas sempre foi considerado como um risco à segurança em áreas classificadas devido à possibilidade de faiscamento e, para minimizá-la, ligas especiais foram desenvolvidas, surgindo no mercado ferramentas com a denominação “não-­faiscantes”. O documento API-RP-2214 [1] apontou que a diminuição do risco pela utilização de ferramentas com tais ligas não seria significativa, ressaltando que mesmo com as mesmas, precauções adicionais precisam ser adotadas para o serviço ser considerado como seguro.

Hoje, entidades como FM Approvals (EUA) e BAM – Federal Institute for Materials Research and Testing (Alemanha), emitem certificados para ferramentas não faiscantes, onde o limite de segurança das mesmas é detalhadamente explicitado.

Não obstante a farta literatura, fomos consultados sobre um artigo que defendia a tese que “ferramentas comuns poderiam ser utilizadas em atmosferas explosivas, sem qualquer risco de ignição” [2]. O artigo se baseou em uma tese de pós-graduação que utilizou um dispositivo idealizado pelo doutorando, conforme figura a seguir.

A energia liberada no choque foi estimada pela fórmula apresentada a seguir, que é utilizada para queda livre vertical do corpo de prova:

Epg = m x g x h ………(1)

Onde:
Epg = energia gravitacional potencial [J]
g – aceleração da gravidade [m/s2]
h – altura [m]

Porém, analisando-se o projeto do dispositivo de ensaio, verifica-se que não se trata de uma queda livre vertical, havendo elevadas perdas por atrito com o eixo que guia o “peso de impacto”, especialmente na curva que antecede o alvo, bem como o mesmo em posição angular acarretou numa menor área de impacto.

A tese desconsiderou todas as perdas existentes no processo e, como consequência, a energia efetivamente liberada no choque foi muito menor que a estimada, não havendo faiscamento na atmosfera de hidrogênio após o choque do “peso de impacto” em aço carbono com o alvo, o que levou à conclusão equivocada que “ferramentas comuns não provocam faíscas”.

Adicionalmente, a tese relatou em seu Anexo V, que “durante a montagem do dispositivo, um golpe com martelo de cabeça em aço carbono provocou faísca, porém, naquele momento, a atmosfera ao redor era ar limpo”, uma evidência que confirmou ser aquele dispositivo inadequado para simular situações reais, uma vez que nenhuma faísca foi notada nos ensaios com atmosfera de hidrogênio.

Por induzir que o uso de ferramentas comuns poderia ser liberado em atmosferas inflamáveis de quaisquer gases, sem quaisquer cuidados adicionais, tal tese é um conceito equivocado que compromete a segurança de unidades industriais que possuam áreas classificadas.

3. A reprodução mecânica das figuras de classificação de áreas dos documentos americanos

Os documentos americanos de classificação de áreas, como o API-RP-505 [3] e NFPA 497 [4], são populares por trazerem diversas figuras genéricas que ilustram respectivamente processos dos segmentos petróleo e químico, e que comumente são inadequadamente copiadas para toda e qualquer planta industrial, até mesmo fora daqueles segmentos.

E tendo em vista o fluxograma na figura C.2 da IEC 60079-10-1 [5], que permitia “a consulta de códigos para definição das extensões”, pessoas sem a capacitação necessária interpretaram que “bastaria copiar as figuras genéricas das API-RP-505 / NFPA 497 que o estudo estaria pronto”.

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que os documentos API RP-505 e NFPA 497 não são “Códigos”, nem “Normas”, mas “Práticas Recomendadas”, um tipo de documento inexistente na normalização ABNT, e desta forma confundem os leitores brasileiros como que normas fossem.

A Prática Recomendada apenas descreve experiências realizadas, mas sem detalhar as condições que foram empregadas, nem os fatores de segurança aplicados. Desta forma, o que temos observado nas auditorias são classificações de áreas sofríveis, tanto pela falta de justificativas embasadas e aplicáveis à planta específica sob estudo, quanto pela reprodução indiscriminada das figuras genéricas, as quais não informam nem os produtos químicos considerados, nem as condições reais dos processos e da ventilação da planta. A API RP-505 expressa em vários locais, como na nota 2 de sua figura 2, que em determinadas situações, “as distâncias poderão ser maiores ou menores que as indicadas”, o que já foi confirmado em simulações computacionais [6], alertando que a responsabilidade é do projetista, e não da Prática Recomendada. A figura abaixo mostra uma das figuras da API-RP-505.

Ressalte-se que a atual edição da IEC 60079-10-1 diz no Anexo K1 que “se forem adotados como base um determinado código ou norma com seus respectivos exemplos, eles não poderão ser substituídos por exemplos similares de outros documentos, especialmente como forma de obter uma classificação menos rigorosa”. Desta forma, a “crença popular” de que “as normas são complementares”, como se seus requisitos pudessem ser misturados como uma “salada”, confirma-se ser tecnicamente errada, especialmente nos estudos de classificação de áreas. E causa apreensão a existência de estudos acadêmicos que chegam a defender a substituição das figuras da API RP-505 pelas da NFPA 497 com o objetivo de “obter vantagens econômicas”, o que além de denotar desconhecimento do que seja uma Prática Recomendada, viola o campo de aplicação das mesmas [7].

Concluindo, se em sua empresa os desenhos de classificação de áreas foram feitos segundo as “normas” API-RP-505 ou NFPA-497, ou até mesmo exista uma “norma interna” notoriamente elaborada mediante cópia das figuras genéricas daqueles documentos [8], recomendamos uma auditoria competente, porque utilizar as figuras genéricas das Práticas Recomendadas americanas como uma panaceia para classificar áreas, é um conceito equivocado!

Conclusões

Há muitos conceitos equivocados no segmento de instalações em atmosferas explosivas que nossa vã filosofia imagina, incluindo aqueles sobre atmosferas de pós combustíveis, e causa preocupação as consequências que os mesmos produzem em diversas empresas.

A única maneira de uma empresa ficar imune às consequências danosas de um conceito equivocado é contar com uma assessoria especializada experiente, pois a segurança nas empresas com áreas classificadas precisa ir além das normas. [9]

AVISO
Destaque para a nota alertando que as figuras não devem ser simplesmente copiadas, pois sequer identificam a substância em questão.

Referências bibliográficas

[1] AMERICAN PETROLEUM INSTITUTE. API 2214: Spark ignition properties of hand tools. 4 ed. Washington: API, 2004. 12 p.

[2] ERTHAL, Leandro. Ferramentas manuais não faiscantes em atmosferas explosivas: um mito que dificulta. Lumière Electric, São Paulo, n. 202, p.66-68, 15 fev. 2015. Mensal. Disponível em: <https://www.yumpu.com/pt/embed/view/LEXt3RQWZSWH3EaK/66>. Acesso em: 30 jun. 2018.

[3] AMERICAN PETROLEUM INSTITUTE. API RP-505: Recommended Practice for Classification of Locations for Electrical Installations at Petroleum Facilities Classified as Class I, Zone 0, Zone 1, and Zone 2. 1 ed. Washington: API, 1997. 131 p.

[4] NATIONAL FIRE PROTECTION ASSOCIATION. NFPA 497: Recommended Practice for the Classification of Flammable Liquids, Gases, or Vapors and of Hazardous (Classified) Locations for Electrical Installations in Chemical Process Areas. 6 ed. Quincy: NFPA, 2017. 77 p.

[5] INTERNATIONAL ELECTROTECHNICAL COMMISSION. IEC 60079-10-1: Explosive atmospheres – Part 10-1: Classification of areas – Explosive gas atmospheres. 1 ed. Geneva: Iec, 2008. 135 p.

[6] RANGEL, Estellito; LUIZ, Aurelio Moreira; P.M. FILHO, Hilton Leão de. Area classification is not a copy-and-paste process: performing reliable hazardous-area-classification studies. IEEE Industry Applications Magazine, [s.l.], v. 22, n. 1, p.28-39, jan. 2016. Bimensal. Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE). http://dx.doi.org/10.1109/mias.2015.2458335

[7] CRUZ, Simone Regina Albuquerque da. Análise comparativa das metodologias utilizadas para classificação de áreas potencialmente explosivas em unidades de refino de petróleo. 2012. 136 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos, Escola de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <http://186.202.79.107/download/classificacao-de-areas-potencialmente-explosivas.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2018.

[8] COMISSÃO DE NORMALIZAÇÃO TÉCNICA. N-2918: Atmosferas Explosivas – Classificação de Áreas. Rio de Janeiro: Petrobras/Contec, 2017. 238 p.

[9] RANGEL JUNIOR, Estellito. Segurança nas instalações de petróleo e gás: é necessário ir além das normas! Petro & Química, São Paulo, n. 373, p.24-27, 15 dez. 2017. Bimensal. Disponível em: <https://issuu.com/editora_valete/docs/pq373/24>. Acesso em: 15 jul. 2018.

Autor do artigo:
ESTELLITO RANGEL JUNIOR
Consultor em instalações Ex

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