Formação e Segurança

Ainda é grande no Brasil o número de pessoas que trabalham como eletricistas, sem a devida qualificação. Falta de formação acadêmica prejudica a qualidade do trabalho e impede o crescimento profissional. Ainda é grande no Brasil o número de pessoas que trabalham como eletricistas, sem a devida qualificação. Falta de formação acadêmica prejudica a qualidade do trabalho e impede o crescimento profissional.

Em qualquer área de atuação, a qualificação profissional é fundamental para que as pessoas consigam executar com êxito suas funções. Imagine, por exemplo, o risco que um doente corre se for assistido por uma enfermeira sem a devida formação e treinamento. Basta a troca de um medicamento e as complicações podem ser graves.

Na área elétrica não é diferente. O eventual despreparo dos profissionais compromete a qualidade da instalação, que pode ser subdimensionada, superdimensionada ou, pior, ser insegura. E insegurança não combina com eletricidade, pois ela mata.

No Brasil, infelizmente, temos um quadro terrível no que diz respeito aos acidentes com instalações elétricas. Segundo levantamento feito pela Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), em 2014 o Brasil registrou 1.222 acidentes envolvendo as instalações, com 627 mortes. Para se ter uma base de comparação, no ano passado a dengue levou ao óbito 405 pessoas no País.

Boa parte dessas ocorrências, especialmente envolvendo a baixa tensão, poderia ser evitada se as instalações tivessem sido bem executadas. E aí ganha importância a formação de um profissional nem sempre valorizado pelo mercado: o eletricista.

Não há dados oficiais que indiquem o número de eletricistas que atuam hoje no País. No entanto, algumas estimativas apontam para cerca de 150 mil pessoas. O detalhe é que praticamente metade desse pessoal não possui nenhum tipo de treinamento oficial, ou acadêmico. São pessoas que aprenderam “algumas coisas” na prática, em uma obra em construção, por exemplo, e que se lançaram no mercado como eletricistas autônomos. Fato que explica, em parte, o grande número de problemas nas instalações.

Everton Moraes | Sala da Elétrica
“O Brasil precisa de um número maior de cursos profissionalizantes para eletricistas, para atender as necessidades do mercado”.

“Hoje, há uma divisão clara entre os eletricistas, com dois cenários: as pessoas que fizeram treinamentos e teoricamente se capacitaram, e aquelas que se dizem eletricistas, que são pessoas que aprenderam a ligar uma tomada e uma lâmpada e acham que são profissionais”, comenta o engenheiro eletricista Everton Moraes (foto), do Portal Sala da Elétrica.

Edson Martinho, diretor-executivo da Abracopel, explica que, no Brasil, o eletricista ainda tem muito da prática e pouco da teoria. E, em parte, isso ocorre porque não há no País a obrigatoriedade de formação desse profissional, como ocorre com engenheiros, tecnólogos e técnicos.

“Não existe uma entidade de classe que obrigue a formação e que regulamente essa profissão. Então, eletricista hoje é todo mundo que se declara como eletricista. E isso é um problema sério”, lamenta Martinho, que completa: “Diria que, hoje, cerca da metade do mercado seja formado pelo pessoal prático puro, que não tem formação acadêmica. E o grande detalhe dessa história é você conseguir separar o joio do trigo, quer dizer, identificar quem é realmente eletricista”.

Essa falta de formação, e de informação, faz, inclusive, com que muitos dos “ditos eletricistas” sequer saibam o que, efetivamente, podem fazer numa instalação. Poucos têm a noção do seu limite de atuação, sendo que a maioria acha que pode fazer tudo.

“Como ele faz instalação, acha que pode, por exemplo, fazer projeto, que normalmente não passa de um rabisco, quer dizer, ele não tem nenhuma orientação técnica para isso. Eu lido com eletricistas há cerca de 15 anos e são poucos os profissionais eletricistas que têm a noção de até onde podem ir e de quando têm que chamar um engenheiro ou um técnico”, lamenta Martinho, que acrescenta: “Resumindo, o eletricista é um executor. Quando ele tem uma boa formação, ele tem a capacidade de executar, de construir a instalação elétrica, mas não a capacidade de projetar a instalação”.

A exceção no Brasil, segundo alguns especialistas da área, ocorre no âmbito da construção formal, envolvendo principalmente as grandes construtoras. “Se pegarmos as principais construtoras, já há uma preocupação maior em relação aos profissionais contratados. Sem contar que há projeto, uma preocupação com os dispositivos de proteção, enfim, está mais avançado. Mas nas instalações unifamiliares, autoconstruções e pequenas construtoras a situação é bem complicada. Assim como quando se sai dos grandes centros”, comenta Edson Martinho.

Um aspecto curioso em relação aos eletricistas, é que a baixa procura por formação não ocorre por falta de opções em termos de cursos profissionalizantes. Embora muitos especialistas da área elétrica afirmarem que precisamos de ainda mais.

Como destaca o diretor-executivo da Abracopel, há hoje no Brasil boas escolas espalhadas pelo País, como o Senai. “Não sei se elas são em número suficiente, mas tem bastante escola. O que precisa é mudar o outro lado, ou seja, fazer com que o profissional busque essa formação mais acadêmica”.

Já Everton Moraes, da Sala da Elétrica, entende que é preciso espalhar ainda mais a rede de escolas profissionalizantes. Segundo o engenheiro, que oferece treinamentos on-line para pessoas de todo o Brasil, é comum ouvir de seus alunos que não têm nenhuma escola profissionalizante em suas regiões, pelo menos não tão próximas. “Outros reclamam dos valores cobrados por algumas instituições de ensino. Por isso acredito que precisamos de um número maior de cursos para atender as necessidades do mercado”, argumenta.

Um ponto curioso identificado por Edson Martinho é que os profissionais mais jovens começam a demonstrar mais interesse em buscar a formação. “Percebo que os mais jovens têm buscado essa formação mais acadêmica, tem buscado informação dentro das escolas. Mas os mais antigos, em sua maioria, não querem nem chegar perto disso, não querem saber de escola e acham que ninguém sabe nada”.

Baixa qualificação aumenta riscos e reduz oportunidades

O principal problema da falta de formação profissional, no caso do eletricista, é baixa qualidade do trabalho oferecido. E isso se traduz em dois aspectos principais: a insegurança na instalação elétrica, que é o ponto mais visível, e a perda de oportunidades, que nem sempre é percebida pelas pessoas. Edson Martinho (foto), da Abracopel, observa que quando o eletricista não tem a devida formação e vai muito só na prática, ele acaba criando o vício do ‘eu sempre fiz assim’ ou ‘eu aprendi assim’. Por isso ele não se dá conta de que a eletricidade tem uma característica importante que não pode ser negada, que é a evolução.

Edson Martinho | Abracopel
“Não existe no Brasil uma entidade de classe que obrigue a formação e que regulamente a profissão de eletricista”.

O fato é que os equipamentos elétricos evoluem constantemente, assim como as necessidades de dispositivos de segurança se alteram em função de normas e tecnologias. Com isso, o eletricista que não se atualiza fica para trás e não usufrui as vantagens das novidades.

“Um risco que ele corre é de não ter a inovação a seu dispor e, com isso, gastar mais tempo no trabalho, desperdiçar material e criar uma instalação insegura. Outro ponto é com ele mesmo. Sem se atualizar ele começa a fazer coisas que não se aplicam mais. Um exemplo prático disso é usar o condutor de proteção só na cozinha e no chuveiro. Infelizmente tem muita gente que faz isso”, relata Martinho.

Sem contar a falta de noção no quesito segurança. “Ainda é muito comum, por exemplo, ele testar a energia com as costas da mão, tomando um choque, ou não ter a ferramenta adequada, não usar EPI para se proteger, enfim, muita gente não entende, ou desconhece, os riscos envolvidos com a eletricidade”, lamenta o diretor-executivo da Abracopel.

SITUAÇÃO MELHOR
Nas obras de grande porte, tocadas por construtoras, geralmente os eletricistas possuem melhor nível de qualificação.

Um aspecto relevante é que não basta o profissional ir atrás de uma escola, investir na formação e nunca mais correr atrás de informação. A formação do eletricista deve ser encarada como um processo contínuo, que exige atenção e reciclagem constante. E aqui temos mais um problema, pois boa parte dos profissionais não adotam essa postura.

“Grande parte dos profissionais teoricamente capacitados não estão de fato capacitados. Eles até fizeram um curso ou algum tipo de treinamento da área elétrica. Mas não se atualizaram. O fato é que o profissional dessa área vai buscar conhecimento apenas quando se sente pressionado pelo mercado, e não para se qualificar melhor. Esse é um grande erro”, observa Everton Moraes.

O engenheiro destaca que muitos eletricistas não percebem que podem se tornar profissionais melhores ao se atualizarem, inclusive agregando valor ao seu trabalho e, consequentemente, ganhando mais dinheiro.

“Uma reclamação recorrente dos eletricistas é que ele se forma, procura fazer tudo de acordo com a norma, mas quando faz um orçamento, aparece um concorrente menos qualificado que cobra um valor muito mais baixo. Mas o que poucos profissionais percebem é que eles podem cobrar o valor que quiserem por sua mão de obra. Basta mostrar o valor da sua mão de obra e não apenas o preço. Como ele faz isso? Com qualificação profissional, com as indicações dos clientes que ele já possui, enfim, com o conhecimento que ele absorveu ao longo do tempo, seja através de cursos, revistas especializadas, sites de conteúdo, etc”, completa Everton.

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