O projeto elétrico e as estações de recarga de veículos
Com a crescente “popularização” dos veículos elétricos, os projetistas têm sido solicitados a prever nas edificações as chamadas Estações de Recarga. Como não foram encontrados estudos referentes a este assunto que auxiliem o projetista, este artigo apresenta uma proposta de abordagem inicial para o tema. O foco da proposta é até o “ponto de força” da Estação de Recarga e sua influência no projeto, sem preocupação com os tipos de plugues e tomadas ou as estações em si.
Tipos de recarga
Para atender edifícios residenciais e comerciais serão consideradas Estações de Recarga rápidas e lentas, com as seguintes características:
✖ Recarga rápida: 11,00 kW e 22,00 kW – trifásico
✖ Recarga lenta: 3,60 kW e 7,40 kW – monofásico
As Estações de Recarga são fabricadas geralmente na tensão 220/380 V ou 230/400 V. Entendemos que os fornecedores/fabricantes no Brasil devem se adequar à tensão padronizada existente nas edificações, sendo a maioria em 127/220 V, apesar de existirem algumas situações de edifícios comerciais e mesmo a administração de edifícios residenciais em 220/380 V.
A tabela abaixo apresenta as proteções em função das tensões e potências nominais das Estações de Recarga, que devem ser confirmadas junto ao fornecedor/fabricante.
Fator de demanda
Quanto ao fator de demanda para as Estações de Recarga, algumas publicações sugerem que ele seja igual a 1, o que, com certeza, seria o ideal e mais confortável, tanto para projetista como para o usuário.
Na realidade, um fator de demanda unitário seria também o melhor para quaisquer outras cargas, como ar-condicionado, motores, porém há de se levar em consideração o custo desta escolha, inclusive e principalmente para as entradas de energia e instalações elétricas, que muitas vezes seriam dimensionadas além das reais necessidades.
Diante desta situação, a tabela abaixo sugere o uso de fatores de demanda diferentes da unidade, que levam em consideração o tipo de utilização das Estações de Recarga.
Nos edifícios residenciais e comerciais, as Estações de Recarga podem ser:
✖ Individuais: uma Estação de Recarga por unidade privativa, localizada junto às vagas do respectivo proprietário e de uso exclusivo do mesmo
✖ Coletivas: uma ou mais Estações de Recarga localizadas em área comum/ vaga não determinada, que atenderão todas as unidades da edificação, sob critério a ser definido pelo condomínio.
Os fatores de demanda para estes dois tipos de Estações de Recarga são distintos, conforme indicado na tabela a seguir. Nesta tabela para o COLETIVO tomou-se por base os fatores de demanda existentes para equipamentos de ar-condicionado (longa utilização e vários usuários utilizando ao mesmo tempo) e, para o INDIVIDUAL, uma “combinação” de outros equipamentos que permanecem ligados por algumas horas por dia.
A utilização dessa tabela é critério do projetista, devendo ser analisada caso a caso de acordo com a solicitação do contratante.
Atentar que, no caso de Estações de Recarga individuais, o fator de demanda é mais “brando” do que no caso coletivo, mesmo sendo de Recarga lenta (tempo maior de Recarga), pois muitos Veículos Elétricos serão carregados em tempo menor do que o “ciclo completo”, uma vez que as baterias nem sempre chegarão com carga zero para iniciar a Recarga.
Mesmo utilizando os fatores de demanda indicados na tabela 2, dependendo da quantidade de Estações de Recarga, a demanda calculada para a entrada de energia da edificação será substancialmente maior do que a demanda sem as Estações de Recarga.
Edifícios alimentados através de poste particular, por exemplo, poderão passar a ser alimentados através de câmara transformadora ou transformador em pedestal. As entradas de energia poderão até “dobrar” a sua demanda em função da presença das Estações de Recarga.
Uma alternativa para lidar com este acréscimo importante na demanda provocado pela presença das Estações de Recarga é projetar um Sistema de Limitação de Carga. Neste caso, se existir uma simultaneidade de utilização das Estações de Recarga acima do previsto e em horário com grande utilização de outras cargas pela administração e/ou dos usuários individuais da edificação, o sistema de limitação interrompe momentaneamente a alimentação das Estações de Recarga, sem prejudicar o fornecimento de energia para as outras cargas da edificação.
Com a utilização deste Sistema de Limitação de Carga, recomenda-se que o fator de demanda sugerido na tabela 2 continue sendo aplicado, porém, esta decisão é sempre um critério do projetista.
Sob o ponto de vista técnico, o ideal é instalar o Sistema de Limitação de Carga na entrada de energia, porém isto depende da aprovação da distribuidora de energia local.
Como alternativa, o Sistema de Limitação de Carga pode ser instalado no quadro geral da administração. Além disso, o Sistema pode ser combinado com programadores horários, uma vez que, por exemplo, de madrugada a demanda da edificação tende a ser muito baixa.
Obviamente, quando for utilizada qualquer forma de limitação de carga dos veículos, as “restrições” acima devem ser de pleno conhecimento e aprovação dos usuários.
Com a utilização do Sistema de Limitação de Carga, deve-se tomar o cuidado de não exceder demasiadamente a demanda da administração e/ou a demanda da própria entrada de energia, limitando a carga conforme as seguintes recomendações:
✖ Máximo 35% da demanda da administração, caso o Sistema de Limitação de Carga seja instalado no quadro geral da administração
✖ Máximo 35% da demanda da edificação, caso o Sistema de Limitação de Carga seja instalado na entrada de energia, sendo as Estações de Recarga dos veículos, alimentadas com medição independente, ou diretamente após a medição de cada unidade
A alimentação da Estação de Recarga através de medidor independente também depende de uma concordância da distribuidora.
Seja um edifício com 24 unidades privativas, com demanda total sem Estações de Recarga igual a 250 kVA e demanda da administração igual a 110 kVA.
Exemplo de aplicação
O dimensionamento a seguir tem por objetivo considerar a instalação de Estações de Recarga, porém, sem ultrapassar 300 kVA de demanda total, mantendo assim a edificação com entrada de energia com poste particular. Desta forma, tem-se 50 kVA de demanda total a ser considerada para as Estações de Recarga (300 kVA – 250 kVA).
Os dimensionamentos serão realizados para Estações de Recarga individuais ou coletivas.
Sem utilização de fator de demanda e sem Sistema de Limitação de Carga: Como a demanda total disponível para as Estações de Recarga é 50 kVA:
✖ Estações de recargas rápidas de 22,00 kVA: 2 (50 / 22), que são suficientes apenas para uso coletivo, uma vez que há 24 unidades individuais na edificação;
✖ Estações de recargas lentas 7,40 kVA: 6 (50 / 7,40), que são suficientes apenas para uso coletivo, uma vez que há 24 unidades individuais na edificação.
Sem utilização de fator de demanda e com Sistema de Limitação de Carga: Como a demanda total disponível para as Estações de Recarga é 50 kVA:
✖ Estações de recargas rápidas 22,00 kVA – utilizando 35% da demanda da administração (38,5 kVA): 38,50 kVA + 50 kVA = 88,50 kVA / 22,00 kVA = 4 Estações de Recarga, que são suficientes apenas para uso coletivo, uma vez que há 24 unidades individuais na edificação;
✖ Estações de recargas lentas 7,40 kVA – utilizando 35% da demanda da administração (38,5 kVA): 38,50 kVA + 50 kVA = 88,50 kVA / 7,40 kVA = 11 Estações de Recarga, que são suficientes apenas para uso coletivo, uma vez que há 24 unidades individuais na edificação.
Com utilização de fator de demanda e com Sistema de Limitação de Carga: Como a demanda total disponível para as Estações de Recarga é 50 kVA:
✖ Estações de recargas rápidas 22,00 kVA – utilizando 35% da demanda da administração (38,5 kVA): 38,50 kVA + 50 kVA = 88,50 kVA / 22,00 kVA = 4 Estações de Recarga, que são suficientes apenas para uso coletivo, uma vez que há 24 unidades individuais na edificação;
✖ Estações de recargas lentas 7,40 kVA – utilizando 35% da demanda da administração (38,5 kVA): 38,50 kVA + 50 kVA = 88,50 kVA / 7,40 kVA = 12 Estações de Recarga.
Neste caso, como acima de 10 estações o fator de demanda é diferente da unidade (ver tabela 2), pode-se verificar se é possível atender todas as unidades com estações individuais aplicando-se o respectivo fator de demanda. Assim, para 24 estações, o fator de demanda é igual a 0,46 (tabela 2 – estação individual), obtendo-se: Demanda total das Estações de Recarga = 24 x 7,40 kVA x 0,46 = 81,70 kVA. Como este valor é menor do que 88,50 kVA calculado acima, conclui-se que é possível instalar 24 Estações de Recarga lenta de 7,40 kVA cada uma para atender cada uma das unidades da edificação.
Neste exemplo, se for possível instalar o Sistema de Limitação de Carga na entrada de energia, teríamos a seguinte situação:
✖ Estações de recargas rápidas 22,00 kVA – utilizando 35% da demanda da entrada de energia (38,5 kVA): 87,50 kVA + 50 kVA = 137,50 kVA / 22,00 kVA = 6 Estações de Recarga, que são suficientes apenas para uso coletivo, uma vez que há 24 unidades individuais na edificação;
✖ Estações de recargas rápidas 11,00 kVA – utilizando 35% da demanda da entrada de energia (38,5 kVA): 87,50 kVA + 50 kVA = 137,50 kVA é possível prever 24 Estações de Recarga individuais (Demanda = 24 x 11,00 kVA x 0,46 = 121,50 kVA < 137,50 kVA). Usualmente a recomendação é a utilização de Estações de Recarga coletivas com carga rápida e as Estações de Recarga individuais podem ser de carga lenta. Eventualmente, algum contratante pode desejar Estações de Recarga individuais com carga rápida, conforme situação acima.
Proteções das estações de recarga
Conforme orientações de alguns fabricantes/fornecedores, deve ser previsto e dimensionado pelo projetista um circuito exclusivo para cada Estação de Recarga com proteção contra sobrecorrentes realizada por disjuntor e proteção contra choques elétricos por um dispositivo DR tipo B (para corrente alternada e contínua).
No(s) quadro(s) que alimenta(m) as Estações de Recarga, devem ser previstos ainda dispositivos DPS apropriados e especificados pelo projetista de acordo com as normas ABNT NBR 5410 e ABNT NBR 5419. Recomenda-se que, ao adquirir a Estação de Recarga, as proteções sejam confirmadas junto ao fornecedor/fabricante
Não se tem dúvida que em um futuro próximo a quantidade de veículos elétricos será maioria perante aos demais, será uma REVOLUÇÃO e seu desenvolvimento irá acontecer de forma natural, hoje temos como exemplo a tecnologia de geração utilizando painéis fotovoltaicos que cada vez vem se tornando mais acessível. No decorrer dos anos creio que irá acontecer o mesmo com os veículos. O sistema elétrico de potência deverá se adequar a esta nova demanda. O impacto será mundial, irão surgir novas funções e consequentemente novas oportunidades de empregos. A inteligência humana é brilhante. Vamos participar deste desenvolvimento prevendo e aproveitando algumas da inúmeras oportunidades.
Bora, Felipe! 👍
concordo que querendo ou não iremos chegar no momento em que os automotivos elétricos dominarão em quantidade a frota brasileira e mundial, todos os órgãos e empresas que geram energia devem estar atentos e envolvidos nessa mudança.
As normas técnicas e as concessionárias de energia elétricas precisam ser preocupar com a disseminação dos carros elétricos. Para os grandes condomínios, por que não se pensar no atendimento, via a geração fotovoltaico, desse aumento de demanda, cujo estudo técnico e econômico podem indicar que há viabilidade. Para alavancar o investimento, a capacidade instalada pode abranger uma maior e diversificada da carga demandada. Identificamos, ainda, muito pouco debates no âmbito das academias, dos órgãos normatizadores, demais atores envolvidos no fornecimento e consumo de energia elétrica. Lembremos que a Tesla, protagonista no fabrico de carros elétricos, já é uma das maiores empresas do mundo. Desculpem-me do lugar comum: ” Os automotivos elétricos serão os do futuro!”