Redes Subterrâneas e os Eventos Climáticos

Por Clay Marcos Martins

O mundo vem passando por mudanças climáticas severas, seguidas de destruição e consequente falta de energia e outros serviços públicos, devido à ação humana – cito o crescimento desenfreado, excesso de poluição, construções irregulares, desrespeito aos mananciais, falta de tratamento de esgoto, excesso de uso de combustíveis fósseis, entre outros.

Muito se fala sobre reduzir o efeito estufa na camada de ozônio, mas pouco se faz efetivamente. Os combustíveis renováveis são estudados há muitos anos, mas não são incentivados em grande escala, pois a economia mundial gira em torno dos derivados de petróleo.

Os lucros e riquezas individuais ainda são mais importantes que a salvação do planeta, onde geramos muito lixo, reciclamos pouco, estamos esgotando os recursos naturais, poluindo lagos, rios, mares e não estamos protegendo as nascentes. É preciso mudar de atitude, deve haver uma comoção mundial sobre a salvação do planeta, unindo pessoas, empresas, sistemas de mídia em um único objetivo, sem necessidade de sistemas ditatoriais para ocorrer, basta apenas ter consciência de que está errado e que precisamos mudar de atitude urgentemente…

No início do mês de outubro de 2024 revivemos fatos ocorridos em novembro de 2023, quando chuvas severas causaram dias de falta de energia elétrica em São Paulo, gerando prejuízos, debates e acusações na mídia, onde vários interlocutores imputam a culpa da demora entre si, sempre buscando um culpado e não a solução.

Lembrei até de uma brincadeira antiga de criança, chamada batata quente, onde o objetivo erra jogar a batata (podia ser uma pedra, bola, pedação de papel amassado) para o próximo, antes do término da música. Realmente uma atitude infantil de empresas, órgãos reguladores e gestores, pois, ao invés de investir tempo encontrando um culpado, deveriam unir forças para resolver a situação, pois quem perde neste jogo de empurra-empurra é sempre a população.

Exemplo de Impactos Causados por Chuvas e Ventos nas Redes Aéreas

Historicamente os Estados Unidos sofrem, neste mesmo período, a temporada de furacões. Foi o que vimos no início de outubro de 2024, quando ocorreu um furacão que chegou à categoria 5 na escala de furacões (furacão monstro), atingindo a Flórida, principalmente a cidade de Tampa, chegando com força reduzida (categoria 3), mas, mesmo assim causando uma enorme destruição.

Este evento causou uma mobilização e preparação das pessoas, sendo evacuada a cidade, preventivamente. Em Tampa a destruição foi muito maior do que em São Paulo, porém, o restabelecimento dos serviços públicos foi muito mais rápido comparativamente.

Quais as grandes diferenças entre o que ocorreu na cidade de Tampa, Flórida (EUA) em relação às ocorrências em São Paulo:

  1. Na Flórida, a precisão dos acompanhamentos climáticos e a previsibilidade da chegada e força dos furacões geram a antecipação e a preparação, com tempo suficiente para os órgãos públicos começarem a evacuação da cidade. A população teve tempo para reforçar janelas e portas, sendo que também foi possível comprar alimentos, água e combustível com antecedência, entre outras ações;
  2. Nos EUA, os órgãos públicos, sistemas de mídia e empresas de serviços públicos se uniram para criar um plano de ação coordenado para atendimento de crise. Houve um grande deslocamento de caminhões e trabalhadores de serviços públicos de outros estados, para regiões da Flórida, sendo que estes aguardaram em local seguro para iniciar o restabelecimento dos serviços, assim que o perigo do furacão foi extinguido, ou seja, a recomposição começou logo após a queda dos serviços. Pelo planejamento incrível realizado, tem-se a impressão de que os problemas são resolvidos antes de iniciar a tempestade;
  3. Governo Federal, Estadual e Municipal se unem e vão aos canais de mídia reforçar a necessidade de todos se prepararem para a situação de crise, denotando união e comoção em prol da segurança e da vida;

Nota: Aqui faço uma menção de agradecimento ao engenheiro Nilson Baroni Jr., pois está morando na Flórida e compartilhou comigo a experiência das ações em momentos de crise, principalmente durante a temporada de furacões.

Temos muito que aprender, no Brasil, para atuar em situações de crise, mas vemos o início de trabalhos interessantes despontando no horizonte.

O evento Redes Subterrâneas de Energia Elétrica e Telecom vem se destacando no cenário nacional por promover apresentações, debates e benchmarking entre empresas, fabricantes, órgãos públicos, profissionais liberais e estudantes. O evento está chegando à sua 20ª edição, que vai ocorrer nos dias 2 e 3 de setembro de 2025 (www.redesubterraneas.com.br).

Ações como a deste evento auxiliam na divulgação das dificuldades, necessidades e cases de sucesso das empresas para compartilhar experiências, sendo que devem ser incentivados cada vez mais. Alguns cases interessantes, já apresentados no Redes Subterrâneas que recomendo observar:

  • Em 2023 foi apresentado no evento Redes Subterrâneas um projeto de obras compartilhadas entre empresas de serviços públicos, denominado NCO (Núcleo de Compartilhamento de Obras), onde Comgás, Sabesp, Telcomp e Enel, iniciaram tratativas para realizar novas obras de forma compartilhada e planejada, com o objetivo principal de evitar danos à rede das empresas, promovendo também um ordenamento do subsolo. Em 2024 foi apresentada a evolução deste projeto, que culminou na elaboração de duas Normas Brasileiras a NBR 17.004:2023 – Método não destrutivo (MND) de perfuração e a NBR 17.167:2024 – Intervenções próximas a infraestruturas para construção de obras subterrâneas compartilhadas;
  • Também em 2023, a CELESC apresentou um projeto de incentivo fiscal para construção de redes subterrâneas, onde uma parte da arrecadação pública é investida em conversão/construção de redes subterrâneas;
  • Já agora, nos dias 07 e 08 de outubro de 2024, o evento contou com uma palestra sobre a crise dos alagamentos na região de Porto Alegre e a cooperação entre empresas de distribuição de energia elétrica, fabricantes, fornecedores, prestadores de serviços, Governos Federal, Estadual e Municipal para estabelecer a energia da região central de Porto Alegre. Algo inédito, promissor e que nos enche de orgulho, como patriotas, demonstrando o caminho para soluções de crise;
  • Na última crise de falta de energia em São Paulo, no início de outubro de 2024, também foi possível observar uma cooperação entre empresas, onde CPFL, Neoenergia e Light auxiliaram na recomposição da rede da Enel (este caso não foi apresentado no evento, somente observado em grupos de mensagens).

Outra iniciativa de grande importância foi a criação por parte da Revista Potência, em 2023, do Caderno Especial de Redes Subterrâneas. Trata-se de um espaço dedicado à publicação de artigos técnicos, análises, debates e reflexões sobre o desenvolvimento do mercado de Redes Subterrâneas de energia e Telecom no Brasil.

Em novembro de 2023, o Engenheiro Nilson Baroni Jr., escreveu um artigo, na Revista Potência, denominado “QUE TIPO DE REDE SUBTERRÂNEA VOCÊ QUER OPERAR?”.

No texto, Baroni analisou o longo tempo de interrupção da energia elétrica que afetou os clientes da região Metropolitana de São Paulo, devido aos eventos climáticos ocorridos na época, detalhando pontos importantes para uma boa conversão de rede aérea em subterrânea. Eu sugiro a leitura desse texto (baixar a revista completa nesse link https://revistapotencia.com.br/portal-potencia/revista-pdf/revista-potencia-ed-214-em-pdf/), pois muitas empresas ainda não aplicam todos os itens descritos por ele.

Neste contexto, e diante dos novos problemas ocorridos em São Paulo no início de outubro, decidi complementar este artigo do Baroni, com uma seção de perguntas e respostas para auxiliar o entendimento de todos sobre a expansão de redes subterrâneas no Brasil.

1) A conversão de 100% das redes aéreas em redes subterrâneas é a resposta para os problemas que as empresas enfrentaram com eventos climáticos severos?

      Resposta: Não… isto mesmo, pois um plano de enterramento de redes deve ser muito bem planejado e com objetivos concretos. A ANEEL estabelece objetivos para investimento prudente das companhias. Portanto, só começar a realizar enterramentos, sem observar estes critérios, pode levar a uma rejeição dos investimentos por parte da ANEEL, não sendo os mesmos inseridos na base tarifária das empresas, gerando prejuízos financeiros. Redes Subterrâneas devem ser priorizadas em locais com alta densidade de carga, locais que comprometem a segurança operativa da rede (muitos circuitos ou equipamentos em um mesmo poste), pontos com reincidência devido a eventos climáticos (parques, regiões arborizadas, onde outras soluções não foram suficientes), locais de interesse público através de Parcerias Público Privada (centros históricos, pontos turísticos), locais para valorização imobiliária (neste caso os custos devem ser pagos pelos responsáveis pelos empreendimentos), etc.

      Devemos lembrar que as obras de enterramento causam muitos impactos, gerando trânsito, ruídos excessivos e, da maneira que estão sendo construídas hoje, levam muito tempo para serem concluídas. Ou seja, um enterramento de 100% das redes ou quantidades excessivas de Km (plano de enterramento de 250 Km da rede de São Paulo) de qualquer empresa, é praticamente inviável. Portanto, devemos começar as conversões seguindo os critérios e premissas estabelecidas, mas já devíamos ter começado há muito tempo. Não é admissível ter, no Brasil, apenas 0,4% de redes subterrâneas.

      Redes Subterrâneas no Brasil (fonte: Apresentação da EATON no Redes Subterrâneas 2024)

      2) O custo da conversão de redes subterrâneas é alto elevado?

      Resposta: O padrão atual de construção de redes subterrâneas no Brasil torna as conversões e novas construções subterrâneas custosas e inviabilizam muitas iniciativas, sem contar a falta de incentivo por parte dos órgãos reguladores, também. Os valores variam de acordo com a tipologia de rede, tipos de vias (com ou sem canteiro central, com travessias, entre outros pontos), demanda instalada e estrutura existente, onde simulações podem iniciar entre 3 a 4 vezes o valor de uma rede aérea convencional, podendo chegar a 10 ou 12 vezes, para redes mais complexas e com contingências.

      3) Sendo o custo de conversão ou construção elevado, como podemos viabilizar redes subterrâneas no Brasil?

      Resposta: Precisamos de estratégias diferenciadas para aumentar a construção de redes subterrâneas no Brasil, cito alguns exemplos:

      • Maior incentivo para as Parcerias Público Privadas (PPPs), divulgação, incentivos fiscais, possibilidade de comercialização de marcas;
      • Rediscutir as regras de investimento prudente da ANEEL, com objetivo de direcionar investimentos para conversão de redes subterrâneas de forma estratégica;
      • Maior investimento em projetos de P&D ou outras fontes de financiamento, por parte das empresas de serviços públicos, pois todas têm obrigação de investir um percentual de sua arrecadação neste tipo de projeto. Porém, poucas investem em projetos para viabilizar redes subterrâneas no Brasil. A própria ANEEL realizou uma apresentação em 2013 no Redes Subterrâneas, destacando a falta de investimento neste tipo de projeto;
      • Padronização de redes subterrâneas de baixo custo no Brasil, principalmente para condomínios;
      • Parceria entre empresas de serviços públicos e Governos Federal, Estadual e Municipal, permitindo alocação de equipamentos de redes subterrâneas aflorados (com menor custo) em pontes, parques, prédios públicos, entre outros, como é feito em outros países com grande percentual de redes subterrâneas;
      • Atuação mais efetivas dos fabricantes de materiais e equipamentos no desenvolvimento de materiais de menor custo para ampliação de redes subterrâneas;

      Todos estes assuntos e outros mais sobre redes subterrâneas estão sendo discutidos e apresentados no canal da UniPotência, no YouTube. Nesse canal, uma vez por mês temos realizado ao vivo um webinar inédito com temas relacionados a este mercado. A boa notícia é que os webinars ficam gravados, e você pode assisti-los a qualquer momento clicando aqui: https://www.youtube.com/@UniPotencia/featured.

      E nossas ações em prol dessa área não param por aqui. Recentemente, a Revista Potência lançou o E-Book “Redes Subterrâneas de Energia Elétrica: uma Visão Estratégica”, de autoria do engenheiro Nilson Baroni Jr. Nessa obra fundamental, Baroni abordou vários dos temas apresentados aqui. Também recomendo a leitura desse E-Book a todos os interessados em redes subterrâneas.

      Para baixar gratuitamente o conteúdo, clique aqui: https://revistapotencia.com.br/redes-subterraneas-de-energia-eletrica-uma-visao-estrategica/

      Resumo das ações de Fomento das Redes Subterrâneas no Brasil promovidos pela Revista Potência através dos especialistas Clay Martins, Nilson Baroni Jr., Hilton Moreno e outros Convidados Altamente Qualificados:

      O que vem pela frente

      Para contribuir ainda mais com a disseminação e ampliação das redes subterrâneas no Brasil, estamos preparando 2 cursos de aprofundamento técnico e estratégico sobre redes subterrâneas. O lançamento dos cursos vai ocorrer em novembro de 2024, e o início das aulas vai ocorrer em fevereiro de 2025.

      Coloquem na agenda: no dia 19/11/2024, às 20h, vamos organizar um webinar especial para explicar todos os detalhes desse curso, esclarecer dúvidas e apresentar os professores.

      Cursos de Redes Subterrâneas (Início no 1º Semestre de 2025)

      Nota especial: Iniciei este artigo no dia 17 de outubro (Dia do Eletricista) e gostaria de terminar este artigo prestando minha sincera homenagem aos grandes heróis da energia, pois faça chuva ou faça sol, eles estão sempre dispostos para atender as demandas da população. Valorizem o eletricista, recebam estes profissionais muito bem. Eles são a solução para os problemas e não o contrário, como muitos meios de comunicação insinuaram nos dias de crise.

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