Um inesperado desafio para a transição energética
Por Igor Amaral Delibório*
À medida que a população mundial continua a crescer e a tecnologia avança, a demanda por energia se intensifica a níveis nunca vistos. Para atender a essa crescente necessidade, a transição para fontes de energia mais limpas e sustentáveis tornou-se imperativa.
No Brasil, a transição se concentra principalmente no crescimento e na diversificação da nossa matriz renovável, cenário em que a geração solar vem se destacando de forma expressiva.
De acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), o Brasil encerrou agosto com mais de 46 gigawatts (GW) de capacidade instalada e a expectativa é ficar próximo dos 50 GW até o final deste ano.
Os números impressionam tanto na geração centralizada e distribuída, mas se levarmos em conta que a perspectiva de demanda para as próximas décadas, somente crescer em capacidade não será o bastante.
A produção de hidrogênio verde, a popularização dos carros elétricos e o próprio aumento de consumo individual, que hoje é cerca de ¼ do consumo de um estadunidense ou de um europeu, é imprescindível pensar na longevidade dos nossos parques renováveis, sobretudo em um cenário de imprevisibilidade climática.
A geração centralizada, em particular, resulta em grandes parques instalados em áreas ermas e remotas, onde naturalmente ficam mais expostas ao clima, temperatura e às interações com a flora e até mesmo com a fauna do local. Essa condição traz desafios inesperados para a durabilidade dos parques.
Por incrível que pareça, uma das maiores ameaças para a geração renovável não mede mais do que alguns poucos milímetros. Estamos falando do cupim – sim, aquele mesmo, um inseto que causa, segundo estudos da NPMA, prejuízos anuais da ordem de US$ 5 bilhões nos Estados Unidos. Também é um problema constante na Austrália.
Se você pensava que eles atacavam somente madeira e os derivados dela, acredite, canos de água, tubos de gás/óleo e dutos elétricos e diversas outras aplicações com materiais plásticos em sua composição, tal como os cabos elétricos e de telecomunicações, estão suscetíveis ao ataque de pragas como cupins e formigas quando estão enterrados. As formigas secretam um tipo de ácido chamado de fórmico, uma substância corrosiva quando em contato com materiais poliméricos. Algumas espécies de cupins, por sua vez, possuem mandíbulas fortes o suficiente para corroer os cabos e abrir passagens.
Os danos causados por estes insetos vêm aumentando nos últimos anos, principalmente porque quando ocorrem em grids subterrâneos de parques solares e eólicos, eles resultam em desligamentos inesperados do sistema.
Das mais de 2000 espécies de cupins catalogadas em todo o mundo, já se sabe que ao menos 10% delas atacaram cabos, de modo que a viabilidade dos atuais e o planejamento dos futuros parques solares e eólicos precisam considerar este risco.
Há praticamente três décadas, começamos a ouvir os primeiros relatos de danos causados por cupins nos cabos. Observações em campo, testes em laboratórios e a troca de experiências com clientes e colegas da Prysmian de outros países, sobretudo aqueles mais afetados pelo problema, como Australia e Estados Unidos, foram determinantes para chegarmos a uma solução eficaz.
O caminho até chegarmos a essa solução trouxe grandes aprendizados, exigindo da nossa equipe de engenheiros um esforço multidisciplinar, sobretudo em entender a biologia e o comportamento dos cupins.
Existem diversas suposições sobre o que estaria motivando estes ataques. Poderia ser a maciez do solo ao redor das instalações após a movimentação da terra para a construção da vala de cabos; talvez uma perturbação causada pelo campo eletromagnético, a escassez de alimento do cupim causada pela supressão da vegetação no local da instalação ou o simples fato do cabo estar no meio do caminho dos cupins.
O fato é que ainda não há uma resposta definitiva – e chegar a uma talvez nem seja necessário, uma vez que é o cabo o elemento estranho naquele ecossistema, e não o cupim. A grande pergunta era: como eles poderiam coexistir sem que ninguém saísse prejudicado?
Entendemos que era preciso estruturar um novo cabo que pudesse contribuir com a confiabilidade do sistema, garantindo uma operação contínua e que também fosse equivalente à expectativa de vida do produto. Esse novo cabo igualmente não poderia dificultar o transporte e a instalação, mas acima de tudo, ele poderia ser um elemento a mais a prejudicar o ambiente e o ecossistema de aplicação.
A construção típica de um cabo de média tensão, de dentro para fora, é composta por condutores de cobre ou alumínio cobertos por uma camada semicondutora interna, depois pela de isolamento, seguido pela semicondutora externa, uma blindagem metálica e, por fim, a cobertura.
Na fase de estudos, refletimos sobre a possibilidade de se utilizar aditivos na cobertura para repelir os insetos, bem como armações metálicas, que confeririam uma proteção mecânica às mandíbulas das térmitas.
Analisando friamente, seriam as melhores opções do ponto de vista da viabilidade econômica, contudo, os compostos tóxicos presentes nos aditivos não são eficazes contra todas as espécies, podem ocasionar resistência biológica e expor todas as pessoas envolvidas, além da própria natureza, ao risco de contaminação e intoxicação. A armação metálica tampouco se mostrou uma alternativa viável, uma vez que tornaria o cabo mais pesado e mais caro.
Precisávamos de um composto mais leve e mais resistente mecanicamente ao impacto, à abrasão e à absorção de umidade, além de proporcionar um baixo coeficiente de atrito, o que é interessante do ponto de vista do ataque de térmitas (cupins), já que elas não conseguiriam agarrar com facilidade essa superfície mais lisa.
Dentre as alternativas aplicadas no país e no exterior, a que se mostrou mais eficiente foi a de acrescer uma camada de nylon antes da cobertura dos cabos. Ela se mostrou uma alternativa mais interessante do que a opção mais econômica (usar aditivos), bem como a solução de mais onerosa (usar fitas ou elementos metálicos).
Além da proteção contra o ataque dos cupins e pequenos roedores a camada em nylon também se mostra muito eficiente no bloqueio transversal contra a penetração de água/umidade, um perigo constante em sistemas enterrados, além de não interferir termicamente na capacidade condução de corrente do cabo.
Esta solução, até a publicação deste documento, é a tecnologia mais atrativa por diversas razões listadas a seguir:
– Fabricação Segura
Permite uma técnica de fabricação mais segura aos operadores, precisa e com alta produtividade.
– Custo-Benefício:
Oferece um equilíbrio ideal entre custo e desempenho para cabos de média tensão. Diferente da mais econômica que não garante a performance e vida útil do cabo bem como a solução de maior valor que pode usar fitas ou elementos metálicos o que aumenta significativamente o peso do cabo dificultando manuseio, transporte etc.
– Ambiental / segurança
O material utilizado é inofensivo ao meio ambiente, ou seja, não causa contaminação do solo, não degrada soltando partículas e não coloca em risco os operadores durante a fabricação ou lançamento/montagem do cabo.
– Performance Garantida
Protege efetivamente contra cupins, comprovado por mais de 25 anos de uso no Brasil.
– Vida útil
Composto conta com a mesma expectativa de vida útil dos compostos utilizados no cabo, sendo uma solução equivalente.
– Flexibilidade Mantida
Apesar de adicionar mais camadas ao cabo, isso não afeta sua capacidade de dobrar cumprindo os requisitos essenciais de flexibilidade de raio mínimo de curvatura conforme a norma NBR9511. Isso acontece porque o que realmente influencia essa flexibilidade é a composição interna do cabo, como o material do condutor e o isolamento. Portanto, a espessura extra que essas camadas adicionam é muito pequena se comparada com a espessura total das outras partes do cabo.
– Resistente a Impactos
A barreira de poliamida (Nylon) possui tenacidade altíssima, ou seja, boa resistência a impactos e difícil de partir.
– Resistência Química
O material é também amplamente usado na indústria petroquímica, resistindo bem a agentes químicos.
– Baixa Absorção de Água
Ideal para instalações subterrâneas, pois absorve pouca água, mantendo a estabilidade em locais úmidos
– Baixo Atrito
Uma das grandes características que garante boa eficiência do composto quanto ao ataque de cupins é o baixo nível de atrito / deslizamento e boa resistência ao desgaste.
Os resultados positivos dessa mudança estrutural nos motivaram a replicar essa alternativa na construção dos nossos cabos aqui no Brasil, trazendo consigo um lastro de mais de 25 anos de experiência e a garantia de que ataques causados por cupins não serão um fator a atrapalhar a transição energética brasileira.
O que mais me satisfaz nesse projeto é o equilíbrio, a prova de que nem sempre o caminho mais fácil e econômico é o que vai se mostrar mais eficaz e, sobretudo, o mais seguro para as pessoas e a natureza do planeta.
*Igor Amaral Delibório é engenheiro e especialista de produtos da Prysmian