Acidentes com Eletricidade

🥇 Matéria de Capa da Edição 229 da Revista Potência

Reportagem Paulo Martins

Levantamento da Abracopel indica que entre 2013 e 2024 aconteceram 18.662 acidentes de origem elétrica no Brasil, com 8.741 mortes.

A Abracopel (Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade) acaba de divulgar dados de acidentes envolvendo eletricidade ocorridos no ano de 2024. Os índices preocupam, pois continuam altos. Considerando o período da última década, os números atingem a proporção de uma guerra. Para a associação, os motivos de tantas tragédias são o despreparo e o descaso na utilização da eletricidade, além do uso de produtos de má qualidade.

A Abracopel organiza os acidentes de origem elétrica em três blocos: choque elétrico, incêndios de origem elétrica e raios (descargas atmosféricas).

Em 2023, ocorreram 2.089 acidentes envolvendo eletricidade, que resultaram em 781 mortes. Foram 140 acidentes por descargas atmosféricas (com 40 mortes), 963 incêndios por sobrecarga de energia (curto-circuito), resultando em 67 mortes e 986 acidentes com choque elétrico, gerando 674 mortes.

Em 2024 ocorreram 2.356 acidentes envolvendo eletricidade, que geraram 840 mortes. Foram 91 acidentes por descargas atmosféricas (31 mortes), 1.188 incêndios por sobrecarga de energia (curto-circuito), com 50 mortes e 1.077 acidentes com choque elétrico (759 mortes).

Analisando a série histórica entre 2013 e 2024, é possível constatar que o ano passado foi o período com maior número de acidentes e de mortes.

De acordo com o diretor executivo da Abracopel, Edson Martinho (foto), apesar de todo o trabalho que é feito para conscientizar as pessoas e explicar que a eletricidade pode ser perigosa, ainda tem muita gente que ignora os riscos: “Ou seja, acham que as coisas só acontecem com o outro, que o risco só acontece se você subir num poste e se pendurar nele. Eles não entendem que eletricidade é perigosa dentro de casa, inclusive”, observa.

Edson Martinho
Diretor-executivo da Abracopel

Outro motivo para tantos acidentes é o descaso. Tem muita gente que não sabe nada sobre eletricidade, mas se aventura a trabalhar nessa área, se valendo de comentários como ‘vou só instalar uma tomadinha’; ‘trocar um bocal de lâmpada não tem segredo’ e ‘fazer uma emenda aqui não tem problema’…

Aliada ao comportamento inseguro, existe a questão dos produtos de má qualidade no mercado, principalmente fios e cabos, que também contribuem para expor o cidadão a riscos.

“Somando tudo isso, ou seja, produtos de má qualidade e profissionais desqualificados ou aventureiros, você tem o resultado de acidentes com eletricidade. Há uma série de problemas no Brasil… cada vez mais gente que tem problema de dinheiro, situações financeiras apertadas, então as pessoas se aventuram a fazer… Ou está desempregado e resolve mexer com eletricidade porque foi ajudante e acha que sabe fazer. Ou preciso fazer alguma coisa em casa e não vou contratar um profissional, porque não tenho dinheiro e vou fazer eu mesmo. Então, tudo isso junto acontece e nós temos, infelizmente, esses números de acidentes, mesmo com todo o trabalho que a Abracopel faz”, comenta Edson.

Um dado que chama atenção no último levantamento divulgado pela Abracopel é o grande número de acidentes registrados no Nordeste. Para efeito de comparação, a região Sudeste, que concentra a maior parte da população do país, teve 592 acidentes por eletricidade em 2024, com 152 mortes. Já a região Nordeste teve 598 acidentes de origem elétrica, com 287 mortes.

Edson Martinho relata que os números relativos à região Nordeste têm sido altos com frequência. “Até foi muito mais alto do que o Sul e o Sudeste, mas nos últimos tempos está quase que igualando. Uma percepção que a gente tem é que no Nordeste tem muito pessoal humilde, em situações muito simples, com pouco conhecimento. E quando você vai para o interior, você tem ali poucos profissionais capacitados. Você tem o profissional que faz tudo e é o cara que vai colocar em risco a instalação elétrica do usuário e ele mesmo se coloca em risco. Ainda não temos uma formação profissional muito grande, principalmente saindo das capitais. Uma percepção que a gente tem é que a falta de profissionais qualificados e a falta de informação dos riscos fazem com que eles tenham um maior número de acidentes”, analisa Edson.

Analisando a estatística de acidentes envolvendo eletricidade, uma pergunta natural que se faz é sobre a situação das instalações elétricas residenciais no Brasil, de uma maneira em geral.

E a Abracopel está atenta a isso. Em 2017 a entidade, juntamente com o Procobre, publicou um levantamento das instalações elétricas residenciais e agora o trabalho está sendo refeito.

O estudo está em fase final de coleta de dados, mas já se conhecem alguns números. De acordo com Edson Martinho, as instalações elétricas melhoraram, mas ainda estão longe de serem seguras. “Em 2017, 21% das casas tinha o DR (Dispositivo Diferencial Residual). Agora o DR está em 45%. O DR protege contra choque elétrico dentro de casa. É obrigatório por norma desde 1997. Nós estamos em 2025, portanto, passaram-se 28 anos e nós não temos o DR em um percentual grande das casas. As situações de choque elétrico dentro de casa seriam evitadas por conta de um único dispositivo, que é o DR. Então eu diria que hoje as instalações elétricas no Brasil ainda estão ruins. Ela melhorou um pouco, mas está ruim. A gente tem muito o que fazer ainda”, avalia Edson.

E o trabalho nas empresas, é mais seguro do que em uma residência? Para Edson Martinho, as empresas tendem a ser mais seguras, porque normalmente são contratados profissionais qualificados para trabalhar. Mas existe uma dificuldade muito grande de acesso a número de acidentes dentro de indústrias, principalmente. “A gente trabalha com números baseados em notícia. Quando acontece um acidente numa empresa, normalmente é pouco divulgado. Então a gente não tem acesso”, lamenta Edson.

As atividades de Geração, Transmissão e Distribuição de energia também estão sujeitas a acidentes, envolvendo tanto os profissionais das empresas quanto os profissionais terceirizados que trabalham para as empresas, além da população em geral. “A grande maioria dos acidentes na rede de distribuição de energia é com pessoas como pedreiros, pintores, instaladores de fachada e instaladores de internet”, identifica o diretor-executivo da Abracopel.

Situação é pior do que os números conhecidos

Novamente considerando a série histórica entre 2013 e 2024, o total de acidentes de origem elétrica chega a 18.662 ocorrências, com 8.741 mortes. “É um cenário de guerra. Para você ter uma ideia, a gente tem trabalhado com a Sociedade Brasileira de Queimaduras e eles fizeram um levantamento de dados que eles chamam de mortes por queimaduras por eletricidade. A gente chegou à conclusão de que os números de acidentes hoje formam uma epidemia. Nós temos um problema epidêmico, que são os riscos envolvendo eletricidade. São 700, 800 mortes por ano relativas à eletricidade”, alerta Edson Martinho.

Uma das ações de conscientização desenvolvidas pela Abracopel é a publicação do Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica. A entidade utiliza as informações veiculadas nos meios de comunicação para identificar os números de acidentes. Adicionalmente, a Abracopel se beneficia de uma ferramenta de alerta de notícias do Google, que monitora diariamente várias palavras-chave de interesse, captando dados relevantes.

Esses são os números que a entidade consegue apurar, mas, na verdade, sabe-se que a situação é ainda pior, pois muitas ocorrências acabam ficando sem divulgação. “A gente tem uma projeção de que os números são cerca do dobro do conhecido. É assustador”, comenta Edson.

Solução é a conscientização dos usuários

Na opinião de Edson Martinho, a problemática dos acidentes envolvendo eletricidade passa por uma questão cultural, basicamente. A forma de mudar o jogo consiste na conscientização. “As pessoas precisam entender que eletricidade é perigosa. Elas têm que contratar profissional qualificado, têm que usar produtos de qualidade e o profissional tem que fazer a instalação elétrica correta. E usar a instalação elétrica de forma correta, também”, defende o executivo.

Até mesmo para a ocorrência de fenômenos da natureza, como as descargas atmosféricas (raios), é possível adotar a prevenção. A regra é seguir a norma ABNT NBR 5419, que traz as formas de evitar acidentes dentro das edificações. Em áreas abertas, descobertas, o principal é mesmo a conscientização de buscar um lugar seguro. “Se você está em uma praia, em um campo e o tempo fechou, vai para um abrigo e fica no seu cantinho, de uma edificação ou eventualmente dentro de um carro para se proteger”, orienta Edson.

Indagado sobre a situação das normas técnicas no Brasil, Edson Martinho elogia o conjunto de regras disponíveis no país. “Nós temos normas no Brasil alinhadas com o que há de melhor no mundo. Ou seja, documentação oficial nós temos. As que não estão atualizados estão sendo atualizados, por exemplo, a NBR 5410, que está sendo revisada há alguns anos. O que está sendo revisado é só para ajustar algumas coisas que a modernidade trouxe. Mas ela ainda é muito segura. Qual é o grande problema? É o não cumprimento das normas técnicas pelas pessoas, sejam os profissionais ou sejam os aventureiros. O não cumprimento é o grande problema, hoje”, aponta o diretor-executivo da Abracopel.

20 anos de Abracopel

A Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade completou 20 anos de atividades no dia 2 de fevereiro de 2025. O trabalho de formiguinha cresceu e hoje a entidade tem abrangência Internacional, com a publicação de documentos no exterior, principalmente em congressos. “Hoje, o que a gente faz é um trabalho de responsabilidade social, alinhado totalmente ao ESG. É um trabalho que é necessário. Nós trabalhamos com a população através do Concurso de Redação, Desenho e Vídeo ou do Prêmio de Jornalismo. Tem o trabalho com os profissionais eletricistas, que a gente leva para o Brasil todo; o trabalho com os engenheiros, através da Universidade Abracopel… Nós estamos falando de mais de dois mil acidentes com eletricidade. Se a gente parar o trabalho, para onde vai isso? Então o balanço hoje é extremamente positivo. Fico triste de não conseguir resultados mais positivos, mas estamos na luta. Uma hora isso vai começar a diminuir e a gente sonha em um dia sentar e dizer: a Abracopel agora setornou desnecessária. Todo mundo sabe o que tem que ser feito, os acidentes não existem mais, a gente conseguiu nossa vitória. Mas ainda há uma longa caminhada”, comenta Edson Martinho.

Para o diretor-executivo da Abracopel, o Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica é um documento inédito no mundo. “A gente já buscou em vários lugares, e você consegue dados mais pontuais, por exemplo, na Alemanha, tem dados dos bombeiros, na parte de combate a incêndio. Você tem alguma coisa nos Estados Unidos através de uma fundação que tem dados sobre acidentes de origem elétrica, mas a maioria são acidentes coletados na indústria, você não tem acidentes coletados nas residências ou ambientes externos. Consolidado, como o nosso documento, eu acho que não tem no mundo. Então isso é um orgulho nosso”, comenta Edson.

O executivo reforça que todo o trabalho que a Abracopel faz é uma verdadeira ação de responsabilidade social, pois se trata de buscar diminuir o número de acidentes com origem elétrica no Brasil. “Eletricidade é necessária, mas ela causa riscos, e as pessoas não sabem. Quando você fornece energia, quando você fornece produtos para construir uma instalação elétrica, você tem uma obrigação social de informar os riscos. É aí que a gente entra. Nós trabalhamos com toda a cadeia, do consumidor ao fornecedor de insumos, para todos falarem a mesma língua e todo mundo ter esse conceito de que eletricidade é importante, mas tem riscos e a gente precisa controlar. Controlando esses riscos, nós não teremos nenhum acidente, então essa é a nossa missão”, complementa Edson Martinho.

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