Cidades inteligentes e meio ambiente
O uso da tecnologia é vital para uma cidade se tornar inteligente, uma vez que a automatização de processos, a ampliação de acessos e a geração de dados são importantes para melhorar a qualidade de vida da população. Entretanto, há muitos outros aspectos que devem ser levados em consideração quando se trata de democratizar o uso dos serviços públicos e prover uma gestão urbana eficiente. É isso que o IESE – Cidades em Movimento 2018 considera no momento de analisar se uma cidade é inteligente ou não. O estudo realizado pela IESE – Business School da Universidade de Navarra (Espanha), que chega a sua 5ª edição, usa como base 83 indicadores divididos em nove dimensões para classificar o índice de inteligência de 165 cidades de todo o mundo.
Segundo o diretor técnico do Instituto das Cidades Inteligentes (ICI), Fernando Matesco, esse é um dos mais completos estudos sobre a área porque considera o planejamento estratégico dos centros urbanos como um todo. Para Matesco, um dos destaques do material é a inclusão de fatores ambientais como primordiais para elevar a classificação de uma cidade como inteligente. Entre os itens da dimensão estão a emissão de CO2 e metano, o acesso à água, a quantidade de partículas no ar, o nível de poluição, a previsão de aumento de temperatura e até o volume de lixo gerado por pessoa. “O desenvolvimento tem que ser sustentável. Não adianta apenas ter tecnologia. É importante que as cidades estejam preparadas para serem globais e inovadoras, mas respeitando seus limites e também os limites do meio ambiente”, destaca o diretor.
Os benefícios de manter e ampliar áreas verdes numa cidade avançam também para a área da saúde: em palestra ministrada no IX Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), a pesquisadora sueca Matilda Van den Bosch afirmou que a interação das pessoas com o meio ambiente melhora fatores como estresse, depressão e doenças mentais. Além disso, as mudanças climáticas apresentam riscos à saúde e a manutenção de áreas verdes nas cidades é essencial para reverter esse quadro negativo do aquecimento global. Ela alertou: “Podemos nos adaptar a um aumento de temperatura, mas sempre há um limite humano e algumas cidades sofrerão muito com isso futuramente”.
As nove dimensões analisadas na pesquisa da IESE incluem indicadores relacionados ao capital humano, aspectos sociais, economia, governança, meio ambiente, mobilidade e transporte, planejamento urbano, acesso a serviços internacionais e tecnologia. “Capital humano é a primeira dimensão tratada no estudo exatamente porque as pessoas são essenciais para tornarem uma cidade inteligente. A participação do cidadão é o que vai fazer a diferença para encontrar as soluções mais efetivas para problemas comuns. Também vale citar que a educação exerce um papel importante nesse cenário: um nível maior de escolaridade ajuda no entendimento da sociedade e nos direitos e deveres individuais e coletivos”, ressalta Matesco.
Na área de tecnologia, o estudo abrange indicadores como o índice de inovação da cidade (classificação realizada pelo Programa de Cidades Inovadoras), quantidade de casas com acesso à internet e até quantos habitantes estão inscritos em redes sociais como Twitter, LinkedIn e Facebook. Segundo o diretor técnico do ICI, essas inclusões podem gerar estranhamento em algumas pessoas, entretanto, elas são importantes para destacar a liberdade de expressão e acesso à informação. “As redes sociais são canais livres de comunicação. Qualquer um pode gerar conteúdo e divulgá-lo mundo afora. Essa inclusão é interessante porque ressalta exatamente como essas cidades permitem que as pessoas se comuniquem”, finaliza.
Fatores ambientais – Para o biólogo Fabiano Melo, doutor em Ecologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós-doutor pela University of Wisconsin (EUA) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, o meio ambiente é essencial para uma cidade ser considerada inteligente. “Há uma infinidade de benefícios e vantagens, em maior ou menor escala. Os diversos benefícios que isso pode trazer incluem o bem-estar humano; a qualidade de vida atrelada a uma rotina mais saudável; serviços ecossistêmicos prestados pela natureza, como a manutenção da qualidade do ar em bons níveis (minimamente toleráveis e adequados), a polinização de hortas e jardins (em especial de árvores frutíferas que mantemos em nossos quintais), entre outros”, explica.
Segundo o especialista, muitas cidades ainda não colocam o cuidado com o meio ambiente como um fator vital de desenvolvimento. A falta de reciclagem e otimização de recursos é um dos exemplos. A ampliação de áreas verdes e dos próprios espaços entre residências é outro. “Em países desenvolvidos, é comum ter jardins e bons espaços entre as residências de bairros de classe média/alta. Aqui no Brasil, mesmo os condomínios de classe alta, que estão sendo consolidados recentemente, apresentam imóveis pequenos, com espaços estreitos entre as casas e que acabam não permitindo uma arborização adequada. Sem falar em outros tipos de loteamentos que consomem áreas verdes; um completo absurdo e contrassenso”, analisa.
O biólogo ainda reforça a importância de pensar no meio ambiente para possibilitar mais qualidade de vida aos cidadãos. “Plantas, áreas verdes, florestas em geral e cursos d’água potável são sonhos de consumo aqui no Brasil e devem compor a demanda futura por cidades inteligentes. Se isso não ocorrer, não conseguiremos acompanhar essa nova demanda e adoeceremos com as próprias cidades, uma vez que não teremos condições de manter altos e bons níveis de saúde, seja pelo ar poluído, pelo estresse do trânsito caótico, pela combinação de infraestrutura e falta de escoamento de água da chuva (com enchentes e alagamentos), com a manutenção de velhos problemas de saúde, como transmissão de zoonoses bem conhecidas por nós”, conclui.
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