Mobilidade Sustentável

BRASIL SEGUE NA CORRIDA DA ELETRIFICAÇÃO AUTOMOTIVA, AINDA ENFRENTANDO OBSTÁCULOS, PARA ACOMPANHAR AS NOVAS TENDÊNCIAS E ACORDOS INTERNACIONAIS QUANTO ÀS SOLUÇÕES DE GERAÇÃO E CONSUMO DE ENERGIA BASEADAS EM FONTES RENOVÁVEIS E TECNOLOGIA SUSTENTÁVEL.

REPORTAGEM: CLARICE BOMBANA

A mobilidade elétrica sustentável nas grandes cidades é uma tendência crescente e irreversível. A frota mundial de carros elétricos (VEs) ultrapassou os 5,1 milhões de unidades em 2018, segundo o Global EV Outlook 2019, da Agência Internacional de Energia (IEA). Foram acrescidos mais de 2 milhões de veículos à frota elétrica de 2017. Este é um crescimento que realmente impressiona… A maior parte dele é impulsionada pela China, mas a eletromobilidade também cresce na Europa, no Japão e em vários estados americanos. Nos próximos anos, a Índia também se tornará uma grande potência em eletromobilidade, provavelmente superando os Estados Unidos. Na Noruega, por exemplo, desde 2017 a maioria dos carros novos vendidos no país já é elétrica ou híbrida.

A Agência Internacional de Energia traçou dois cenários para o crescimento mundial das frotas elétricas na próxima década. No cenário que leva em conta as políticas ambientais já anunciadas pelos países, a frota elétrica mundial em 2030 chegará a 130 milhões de veículos. Num cenário otimista, com medidas adicionais, este cenário poderá chegar a 250 milhões de VEs em 2030. E isso sem considerar os veículos elétricos levíssimos de duas ou três rodas, que estão se espalhando por todas as grandes cidades do mundo, inclusive as brasileiras, como São Paulo e Rio.

No Brasil, em 2018, o aumento das vendas de veículos elétricos foi de 20% em relação a 2017, sendo que quase 4.000 carros elétricos ou híbridos foram emplacados, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

Países que avançaram na eletromobilidade o fizeram porque os governos se empenharam em mudar a matriz de combustível do transporte. RICARDO GUGGISBERG | ABVE

As principais vantagens dos veículos elétricos são: baixa emissão de poluentes (ou poluição zero), motores silenciosos e altamente eficientes, baixíssimo custo de manutenção, vida útil superior à dos veículos convencionais e ampla conectividade. Para Ricardo Guggisberg, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), neste momento, a única desvantagem é o preço inicial de compra, em função do preço das baterias elétricas. “Mas esse investimento inicial é compensado, em poucos anos, com a economia de combustível e manutenção, e o preço das baterias está caindo continuamente”, afirma.

Problemas do mercado de veículos elétricos serão minimizados à medida que aumentar a demanda por produtos e serviços. ALEX BARBOSA PASSOS | WEG

“Hoje, além do custo, uma outra dificuldade é a infraestrutura necessária para o abastecimento ou carregamento das baterias. Mas esses são fatores que serão minimizados à medida que haja o aumento da demanda pelos produtos e serviços”, complementa o engenheiro Alex Barbosa Passos, gerente de Mobilidade Elétrica da WEG.

Segundo um estudo da Bloomberg New Energy Finance do final do ano passado, a queda do preço das baterias fará com que um veículo elétrico custe o equivalente ao similar convencional por volta de 2025/2026.

O Brasil ainda não tem um Plano Nacional de Mobilidade Elétrica, principal prioridade da ABVE. O que há são iniciativas isoladas, que não constituem uma política integrada. “Todos os países que avançaram na eletromobilidade o fizeram porque os respectivos governos se empenharam em mudar a matriz de combustível do transporte, por meio de um amplo conjunto de incentivos nacionais, regionais e locais. Foi assim na Europa, China, Japão e Estados Unidos. E está sendo assim na Índia, que também é um grande país, com renda per capita quatro vezes inferior à do Brasil”, ressalta Guggisberg.

Segundo o executivo, estamos bem atrasados nessa questão e poucos países têm tantas condições de avançar na eletromobilidade como o Brasil. “Temos uma matriz energética que é 81% limpa e temos a mais avançada indústria de biocombustíveis do planeta. Portanto, temos condições superiores às de outras nações para avançar tanto na eletromobilidade pura quanto na híbrida, abolindo os combustíveis fósseis.”

Recentemente, o governo brasileiro aprovou um plano para o mercado de automóveis, chamado Rota 2030 – Mobilidade e Logística que, dentre outras coisas, incentiva a eficiência energética e a redução de emissões de gases. Os veículos elétricos, que não emitem gases e possuem uma eficiência energética, muitas vezes superior à dos veículos a combustão, recebem incentivos fiscais para que o mercado possa se desenvolver mais rapidamente e controle as metas de emissões. “Neste sentido, estamos alinhados à maioria dos países desenvolvidos, no entanto, o mercado de VE ainda precisa de muito investimento para poder se desenvolver de forma mais acelerada”, complementa Pedro Pintão, sócio-diretor da NeoSolar Energia.

A evolução

A história dos combustíveis renováveis no Brasil começou em 1975, quando o governo Ernesto Geisel lançou o Proálcool. A partir daí, o País criou uma avançada indústria de produção e distribuição de biocombustíveis e uma das maiores frotas de veículos flex do planeta. “Este é um exemplo mundial de sucesso: uma iniciativa do governo que criou uma ampla cadeia produtiva de combustíveis renováveis, com participação do agronegócio, da indústria automobilística e de autopeças, dos pesquisadores e das universidades”, define Guggisberg. Mas, a rigor, essa história começou antes, em 1949, quando a Prefeitura de São Paulo lançou a sua primeira frota de trólebus, ou seja, de ônibus elétricos. São Paulo tem hoje a maior frota municipal de trólebus da América Latina: são mais de 200 veículos silenciosos e não poluentes, que atendem o centro da cidade.

De 2012 a março de 2019, a frota total de carros elétricos e híbridos no Brasil era de 11.659 unidades, entre automóveis e comerciais leves. É um número muito pequeno, se considerarmos que a frota total chega a 45 milhões de veículos, mas o segmento está crescendo rapidamente. A imensa maioria é formada por automóveis híbridos não plug-in. De acordo com os dados da ABVE, os carros puramente elétricos não chegam a 700 unidades. Até 2017, o total de ônibus elétricos e híbridos no Brasil era de 891 unidades, incluindo trólebus e alguns micro-ônibus. Também até 2017, o total de veículos elétricos levíssimos licenciados no Brasil era de 6.318 unidades, entre motos, ciclomotores e quadrimotores. Esses números não incluem bicicletas, patinetes, skates e monociclos, que não são licenciados e cujos totais são incertos.

A ABVE projeta um crescimento de até 500% em cinco anos, em relação aos números atuais, para automóveis e comerciais leves. Já a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do Ministério de Minas e Energia prevê que em 2026 haverá 100 mil veículos elétricos híbridos em circulação no Brasil e 2,2 milhões em 2030, o que representará 4,2% da frota total.

Quanto aos ônibus, as projeções são mais otimistas. Se a recente lei ambiental 16.802/2018 for cumprida à risca, teremos mais de 14 mil ônibus elétricos e híbridos em circulação na cidade de São Paulo nos próximos 20 anos, e metade disso até 2030. Também há leis e planos semelhantes em várias outras cidades do Brasil, como Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Curitiba (PR), Brasília (DF), Campinas (SP), etc.

Projeção da companhia é ter um crescimento de pelo menos 100% ao ano nesse nicho de mercado. PEDRO PINTÃO | NEOSOLAR

A tecnologia do motor elétrico em si é conhecida há muito tempo, mas utilizada especialmente em indústrias e abastecimento pela rede elétrica. O Brasil possui grandes fabricantes de motor elétrico que já estão trabalhando no mercado de VE, como é o caso da WEG. A grande inovação, portanto, está mais relacionada às baterias, cuja tecnologia ainda é importada. O desenvolvimento das baterias está acontecendo de forma acelerada fora do Brasil, principalmente nos maiores mercados fabricantes de VE (China e EUA). “Por enquanto, os veículos elétricos comercializados no Brasil são importados, mas há uma tendência em nacionalizar diversos componentes”, revela Pedro Pintão. “A rede de serviços e manutenção também deverá sofrer mudanças e terá de se adaptar às novas tecnologias.”

A WEG tem uma variedade de produtos, que compreende motores de indução ou de ímãs permanentes, inversores de frequência, eletropostos para atender várias tensões e potências, sistemas para infraestrutura e serviços para a integração dos subsistemas necessários para implantar a mobilidade elétrica.

“A curva da demanda por estes produtos e soluções está ascendente, mas um pouco abaixo do que gostaríamos. O mais importante é que estamos preparados para o crescimento do mercado com capacidade tecnológica e de produção. Com a redução do custo do kWh das baterias haverá uma aceleração significativa na produção e comercialização dos ônibus elétricos e híbridos, caminhões elétricos de entrega urbana e do sistema de mobilidade elétrica em geral”, avalia o gerente da WEG.

FROTA LIMPA – Ônibus com motor elétrico produzido pela WEG: empresa está preparada para atender o crescimento do mercado.

Quase todas as montadoras instaladas no Brasil já anunciaram planos de comercializar veículos elétricos ou híbridos nos próximos anos: GM (Bolt), Volkswagen (Golf GTE), Renault (Zoe), Nissan (Leaf), BYD (e5 e e6), JAC Motors (iEV 40). “Estes serão todos modelos importados, é verdade, mas é o primeiro passo. E algumas empresas já anunciaram que fabricarão no Brasil os seus veículos elétricos. É o caso da Toyota, com o Corolla elétrico híbrido com motor flex a etanol, e a Volks/MAN, com o caminhão elétrico e-Delivery”, cita o dirigente da ABVE.

“Hoje, os centros de desenvolvimento das grandes montadoras estão nos países de origem. Assim, temos a percepção da tecnologia importada. O Brasil tem tecnologia para promover a mobilidade elétrica através das empresas que disponibilizam produtos e serviços de nível internacional. As universidades e centros de pesquisa também estão se alinhando para se tornarem excelência nesta tecnologia. O único componente que ainda somos totalmente dependentes do exterior são as baterias, o ponto mais fraco da nossa cadeia da eletromobilidade, mas também será uma questão de tempo até termos uma tecnologia nacional apropriada aos nossos recursos minerais”, apresenta Barbosa Passos.

Governos, empresas e pesquisadores de todos os países desenvolvidos travam uma grande batalha tecnológica para aperfeiçoar as baterias. “Hoje, a China domina totalmente este mercado, mas Japão, Estados Unidos, Coreia do Sul e Alemanha têm se esforçado para recuperar terreno. Há ainda a questão dos metais e elementos químicos necessários à produção das baterias. Grandes detentores de reservas de cobre, lítio e cobalto, como Chile, Bolívia e Congo, ou potenciais produtores de grafeno, como o Brasil, poderão redefinir a geopolítica do mercado mundial de combustíveis nas próximas décadas”, prevê a ABVE.

Incentivos e Regulamentação

Em relação aos incentivos fiscais e tributários, os avanços no setor ainda são lentos. “Esta é uma questão-chave. Já conquistamos o corte do Imposto de Importação dos VEs e uma modesta redução de IPI. Oito estados já anunciaram leis para cortar ou reduzir o IPVA de veículos elétricos e híbridos. Mas, nem todos colocaram as leis em prática. Algumas cidades fizeram o mesmo com a parcela municipal do IPVA, como São Paulo, São Bernardo, Sorocaba e Indaiatuba. Falta ainda reduzir o ICMS”, lista Guggisberg, ao explicar que a ABVE não defende a abolição pura e simples dos impostos, e sim uma equiparação com as alíquotas já em vigor para veículos a combustíveis fósseis.

Já quanto à regulamentação do setor, houve um relativo avanço em relação aos automóveis elétricos e híbridos com o novo Programa Rota 2030 – Mobilidade e Logística, lançado em julho do ano passado. Houve também uma definição regulatória importante para a instalação de postos de recarga elétrica, com a Resolução Normativa 819 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em junho de 2018. Para o presidente da ABVE, hoje, o maior problema regulatório recai sobre os veículos levíssimos. “Em alguns casos, temos regras rígidas e antiquadas demais; em outros, regra nenhuma. Essa confusão leva a medidas precipitadas, como a recente apreensão de patinetes em São Paulo. Em resumo, defendemos que o Brasil adote as mesmas regras que já valem nos países da Europa e nos Estados Unidos, que dão ampla liberdade ao usuário e ao fabricante, mas sem descuidar da segurança.”

Outra questão importante é a inexistência de uma política de preços dos VEs no Brasil. Não há qualquer tipo de bônus como ocorre na Europa e na China. “No Reino Unido, por exemplo, o comprador de um carro elétrico recebe um subsídio de 3 mil libras; na Alemanha, de 4 mil euros; na França, de 6 mil, podendo chegar a 9.500; na Romênia, de até 10 mil euros! Aqui, os preços são elevados porque, em muitos casos, os impostos ainda são superiores aos dos veículos convencionais e há também o valor das baterias, que ainda é muito alto, mas a tendência é cair nos próximos anos”, cita Guggisberg.

Infraestrutura de Carga

País precisa investir em novos eletropostos para favorecer o desenvolvimento do mercado. EDUARDO JOSÉ DE SOUZA | ELECTRIC MOBILITY BRASIL

A disponibilidade de infraestrutura para recarga de veículos elétricos e híbridos plug-in instalada no País é muito pequena e, segundo alguns especialistas, este é um fator que traz insegurança ao usuário na hora de optar por um VE. De fato, há poucos postos públicos de recarga elétrica. No total, não chegam a 200 em todo o País. “A disponibilidade de infraestrutura de recarga ainda é baixa e limitada aos grandes centros”, afirma Eduardo José de Sousa, diretor geral da Electric Mobility Brasil. Segundo estudos em outros países, para atender a frota de VEs são necessários, em média, três pontos de recarga para cada VE. “Daí, a demanda urgente por investimentos em eletropostos, para favorecer o desenvolvimento do mercado tão esperado nos próximos anos.”

Já há algumas empresas entrando no mercado de infraestrutura de recarga para veículos elétricos, principalmente revendedoras, que trazem tecnologias consolidadas e confiáveis do exterior. A NeoSolar, por exemplo, atua desde 2016 na distribuição, engenharia e instalação de pontos de recarga de VE no Brasil, por meio de uma parceria com a Schneider Electric, fabricante de carregadores. Hoje, a NeoSolar atende diversos clientes, dentre eles, construtoras, condomínios, empresas, redes de comércio e varejo, montadoras e pessoas físicas, que estão se preocupando em instalar pontos de reabastecimento e se preparando para atender os motoristas de VE. A projeção da companhia é ter um crescimento de pelo menos 100% ao ano nesse nicho de mercado, entre 2019 e os próximos três anos.

No que tange aos carregadores ou eletropostos, a empresa possui soluções residenciais, para uso comercial ou estacionamentos, uso na via pública e estações de recarga ultrarrápida para postos de reabastecimento. Segundo Pedro Pintão, todas as soluções já nasceram com conectividade, que permitem monitoramento e gestão a distância através de aplicativos ou soluções embarcadas, como sistema de pagamento, controle de acesso, etc. Além dos carros, a empresa pode atender outros veículos de micromobilidade elétrica, como bicicletas, patinetes, motos, etc.

“Trabalhamos atendendo consumidores, bem como revendedores e instaladores especializados em todo o Brasil. Oferecemos um portfólio completo de carregadores e acessórios de baixa e alta potência para instalação em residências, condomínios, empresas, áreas públicas, estacionamentos, etc. Também disponibilizamos soluções combinadas com energia solar para atender o consumo de energia dos VE”, esclarece o diretor da NeoSolar Energia.

Já a Electric Mobility possui uma ampla linha de opções para recarga de veículos elétricos: residências standard; residências com rateio da energia; postos públicos com inteligência – shoppings, edifícios; postos rápidos para rodovias; rápidos e semi- -rápidos para frotas; ultra-rápidos para ônibus e caminhões; ultra-rápidos para nova geração de veículos, como o Jaguar Ipace recentemente lançado no Brasil. A empresa possui contratos de prestação de serviço com as montadoras Volvo, Renault, Jaguar, Land Rover.

Como mencionado, desde junho de 2018 foi aprovada uma regulamentação que viabiliza a comercialização de energia para carregamento de VE. O uso residencial cresce especialmente em casas, onde o proprietário pode instalar e utilizar sua rede elétrica para recarga do automóvel. Quanto aos condomínios residenciais, sabe-se que os empreendimentos mais modernos já oferecem garagens com pontos de recarga e testam modelos de cobrança do consumo de energia.

Os pontos de recarga comerciais têm aumentado à medida que as empresas de infraestrutura observam o potencial de crescimento dos veículos elétricos. Supermercados, shoppings, varejistas, têm disponibilizado esse benefício aos seus clientes – em sua maioria, sem nenhuma cobrança – como forma de atrair o público ao seu estabelecimento enquanto o carro é carregado.

As eletrovias também são uma tendência. No ano passado, a EDP, a BMW e a Electric Mobility Brasil instalaram a primeira eletrovia interestadual do Brasil, na Via Dutra, com seis postos de recarga, três em cada sentido. Portanto, hoje é possível ir ao Rio de Janeiro e voltar a São Paulo num carro elétrico de qualquer modelo, sem correr o risco de ficar sem bateria. São Paulo e Campinas também têm eletropostos nos dois sentidos do sistema Anhanguera-Bandeirantes.

No Paraná, a eletrovia Foz do Iguaçu- -Paranaguá, implantada pela Copel, ligará o Estado de ponta a ponta com 11 postos, ao longo de 730 quilômetros.

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