Utilização da Oscilografia em Instalações de Minigeração Conectadas à Média Tensão

Por Uriel Horta e Gustavo Carvalho da PEXTRON®

A função ANSI 98 – Oscilografia, presente nos modernos relés de proteção digitais, é uma ferramenta poderosa para o diagnóstico de distúrbios em sistemas elétricos. Embora muitas vezes negligenciada em projetos envolvendo instalações de conexão de média tensão, sua correta implementação pode oferecer vantagens significativas na operação e manutenção das instalações. Este artigo apresenta, de forma didática e objetiva, os conceitos fundamentais da oscilografia, suas aplicações práticas e os benefícios que ela proporciona na identificação de falhas, verificação de atuações e otimização de ajustes de proteção. Com foco nas instalações de conexão de geração distribuída em média tensão, a proposta é reforçar a importância da oscilografia como um recurso estratégico e de fácil acesso, que agrega valor aos sistemas de proteção e à atuação dos profissionais de engenharia elétrica.

1. Introdução: A Evolução da Tecnologia na Proteção dos Sistemas Elétricos

A evolução dos sistemas de proteção dos sistemas elétricos trouxe consigo recursos avançados que contribuem significativamente para a melhoria da confiabilidade das instalações. Os relés digitais passaram a incorporar diversas outras funcionalidades além daquelas para proteção dos sistemas elétricos, e uma delas auxilia no diagnóstico de perturbações.

A função ANSI 98 – Oscilografia, inerente aos modernos relés de proteção digitais é uma ferramenta essencial para a análise de distúrbios no sistema elétrico. Assim como um cardiologista utiliza um eletrocardiograma para avaliar a saúde de um paciente, a oscilografia registra as grandezas elétricas durante eventos anormais, fornecendo dados detalhados da “saúde” do sistema elétrico. 

A melhor parte? Está incluída na maioria dos relés de proteção e basta ativá-la para aproveitar seus benefícios.

Assim como outras funções secundárias dos relés de proteção digitais para conexão de geração distribuída em média tensão, geralmente esta função não é especificada pelos projetistas e não consta como obrigatória nas normas das concessionárias de energia. Porém, é de fundamental importância a sua implementação na fase inicial de projeto para que possa facilitar os futuros serviços de manutenção que serão executados por outros profissionais.

Este artigo explora o conceito, as aplicações e os benefícios dessa funcionalidade, além de sugerir sua aplicação em instalações de conexão de geração distribuída em média tensão.

2. O que é Oscilografia?

Imagine um médico cardiologista que utiliza o eletrocardiograma para analisar a saúde de um paciente. Ele força uma situação de esforço para que possa receber e avaliar os dados registrados que irão indicar o estado de saúde do mesmo. A oscilografia é algo parecido, avalia a saúde do sistema elétrico, só que não precisa pagar por cada consulta. É de graça e já está inerente aos modernos relés digitais. É só ativar e aprender a analisar os registros oscilográficos.

É um recurso que permite o registro detalhado das grandezas elétricas durante eventos anormais, como curtos-circuitos, sub e sobretensões, falta de fases, sobrecargas e outros. Esses registros são gerados a partir das amostras das formas de onda das tensões e correntes e eventos digitais como contato de saída do relé, contato de disjuntores, etc capturadas em alta resolução e armazenadas no relé para posterior análise. A figura 1 ilustra um arquivo de oscilografia extraído de um relé de proteção digital.

“Oscilografia é como um eletrocardiograma do sistema elétrico! Ela revela a situação do sistema elétrico durante as anomalias e fornece informações valiosas para correção e otimização.”

Fig 1: Oscilograma mostrando grandezas analógicas e digitais

3. Benefícios da Oscilografia em Relés de Proteção

A principal função da oscilografia é fornecer um histórico detalhado do comportamento do sistema elétrico antes, durante e após eventos específicos. Entre suas aplicações, destacam-se:

Análise de Distúrbios: Identificação da causa e evolução de falhas elétricas, permitindo a tomada de decisões corretivas e preventivas. Identifica curtos-circuitos, sobretensões, subtensões, falta de fase, reversão de fases, etc;

Verificação da Atuação da Proteção: Avaliação do desempenho dos relés, permitindo confirmar se as atuações de desligamento ocorreram conforme esperado;

Otimização de Ajustes de Proteção: Fornece informações valiosas para um reajuste dos parâmetros de proteção, no sentido de melhorar a seletividade e proporcionar melhor confiabilidade ao sistema elétrico.

“O profissional que domina a análise de oscilogramas tem um grande diferencial competitivo na engenharia elétrica!”

4. Oscilografia na Minigeração Conectada à Média Tensão: Um Seguro Gratuito

Apesar de ser uma ferramenta extremamente útil, a oscilografia ainda é subutilizada em instalações de conexão em média tensão. As normas raramente mencionam sua importância e muitos engenheiros e técnicos ainda desconhecem seu potencial. No entanto, a função já está incluída nos principais relés de proteção para geração distribuída, atuando como um seguro gratuito para diversas situações futuras, tais como:

1) Reivindicação de Ressarcimento Junto à Concessionária: Caso se constate algum prejuízo como queima de equipamentos, prejuízos na produção de energia, etc o cliente pode preparar um laudo técnico relatando a ocorrência e anexar os registros de oscilografia como prova e pleitear ressarcimento junto à concessionária/ANEEL por perdas de lucro cessante ou queima de equipamentos.

2) Investigação de Eventos: Explicar aos acionistas ou gestores da empresa qual foi o motivo de interrupções, sejam curtas ou prolongadas,com base em dados técnicos precisos. Engenheiros e técnicos envolvidos com a operação e/ou manutenção de uma instalação podem obter diversos subsídios técnicos para tecer justificativas bem fundamentadas e com ótimos argumentos, como por exemplo:

  • Interpretar que, após um desligamento pelas funções de sobrecorrente da fase A e sobrecorrente de neutro (ANSI 51A e 51N),realmente ocorreu um curto-circuito fase-terra interno, e que esta foi a razão do desligamento da conexão, interrompendo a geração de energia. Dessa forma, poder melhor explicar ao acionista ou direção da empresa;
  • Diferenciar uma corrente de curto-circuito da corrente de inrush de um transformador, ou seja esclarecer se uma elevação de corrente se trata de um evento normal de operação ou uma falha real;
  • Durante um comissionamento em uma instalação de conexão, após atuação da função de desequilíbrio de corrente (ANSI 46), detectar que havia polaridade invertida no TC da fase B do lado da média tensão do transformador e dessa forma, corrigir rapidamente o problema e agilizar o start-up da instalação;
  • Perceber que o elemento ANSI 50 de um relé de proteção não atuou após um curto-circuito interno, mas ao analisar a oscilografia verificar que o TC de proteção da referida fase saturou, e esta foi a razão da recusa de atuação, e assim concluir que não tem nenhum defeito no relé;

Os oscilogramas permitem que seja possível compreender certos problemas inesperados que ocorrem em comissionamentos ou na operação do dia a dia de um sistema elétrico, além de fornecerem subsídios para reavaliação de ajustes dos relés de proteção.

Um ponto importante a destacar é que saber analisar oscilogramas se torna uma competência que pode dar um grande diferencial aos  profissionais de engenharia elétrica, como projetistas e técnicos de manutenção.

“A oscilografia transforma dados em conhecimento e conhecimento em decisões estratégicas!”

5- Implementação da Função ANSI 98 – Oscilografia Nos Projetos de Geração Distribuída

Nos relés digitais aplicados em conexão de geração distribuída e que possuam esta funcionalidade, é necessário habilitar a função, ou seja, o relé na versão default geralmente vem com a função de oscilografia desabilitada. Uma vez fazendo a habilitação, alguns ajustes são necessários para que os usuários possam obter benefícios dessa ferramenta. A figura 2 mostra um típico relé de proteção digital com recursos de oscilografia.

Fig 2: Moderno relé de proteção digital com recursos de oscilografia

Para aplicações em conexão de geração distribuída em média tensão, a oscilografia pode ser fixa, definida pelo próprio fabricante do relé de proteção. Geralmente é composta por 80 oscilogramas de 48 ciclos com 16 amostras por ciclo para cada uma delas. Normalmente, há necessidade de se definir um tempo pré-falta,ou seja, quanto tempo antes da falta se deseja obter os registros e também um tempo pós-falta, que seria quanto tempo após a ocorrência de uma falta se deseja registrar. 

Em geral, a escolha desses tempos depende muito do tipo de sistema elétrico no qual o relé está protegendo, por exemplo se um relé em alimentador de rede de distribuição, interligação de uma geração distribuída ou entrada de um consumidor industrial. O tempo pré-falta é ajustável de 4 a 23 ciclos, sendo que para conexão de geração distribuída tipicamente adota-se 23 ciclos. Já o tempo pós-falta é calculado pela diferença do tamanho do registro subtraído do tempo pré-falta, normalmente 48-23=25 ciclos.

Os dados registrados normalmente podem ser acessados através de comunicação serial com o programa aplicativo de configuração do relé e não devem, em hipótese alguma, serem perdidos com a ausência de alimentação auxiliar.

Deve-se selecionar quais grandezas analógicas serão apresentadas para análise, como por exemplo: corrente de cada fase, corrente de neutro, tensão de cada fase, tensão residual, corrente de sequência negativa, etc e também quais eventos digitais se quer verificar (contato de trip do relé, contato NA do disjuntor, contato NF do disjuntor, contato de alarme, etc). 

Também é necessário definir quais elementos podem partir a função oscilografia, isto é, quais funções poderão iniciar o registro, por exemplo, as funções ANSI 50, 51, 50N, 51N, 27, 59, além de algum determinado contato externo via entrada digital no relé. 

A escolha depende das funções de proteção a serem utilizadas, do projeto elétrico do painel e das características da instalação.

A figura 3 abaixo ilustra uma tela de oscilografia no software aplicativo de um típico relé de proteção de conexão de minigeração distribuída em média tensão, que foi selecionado para exibir as correntes e tensões.

Fig 3: Tela de programação da oscilografia no software aplicativo de um relé de proteção 

6- Considerações Finais

A oscilografia é uma ferramenta poderosa que agrega inteligência ao monitoramento e diagnóstico de eventos no sistema elétrico. Sua implementação nos relés de proteção digitais proporciona um conhecimento mais preciso das ocorrências e contribui para a confiabilidade e eficiência do sistema. 

Dessa forma, a correta utilização dessa funcionalidade é uma prática recomendada para as instalações de conexão de geração distribuída em média tensão, que buscam excelência em proteção e operação do sistema elétrico.

7- Conclusão:

A função de oscilografia integrada aos relés digitais de proteção é um recurso valioso, já disponível na maioria dos equipamentos modernos e que pode fazer toda a diferença na operação, manutenção e análise de eventos em sistemas elétricos de média tensão. Apesar disso, ainda é pouco explorada em projetos de conexão em média tensão em geral, seja por desconhecimento técnico ou pela ausência de exigência nas normas das concessionárias.

Ignorar essa funcionalidade é abrir mão de dados precisos que podem esclarecer falhas, evitar diagnósticos equivocados, agilizar comissionamentos e embasar laudos técnicos com informações incontestáveis. Em um cenário onde a confiabilidade, a rastreabilidade e a eficiência operacional são cada vez mais exigidas, deixar de utilizar uma ferramenta tão acessível e estratégica representa uma oportunidade perdida.

Portanto, cabe aos projetistas, integradores, técnicos e operadores adotarem uma postura proativa, incorporando a oscilografia como item padrão nos projetos e utilizando seus registros como base para decisões técnicas fundamentadas. A inteligência já está embarcada nos relés — é hora de usá-la a favor da engenharia.

Oscilografia não é luxo, é estratégia. Quem domina seus registros, domina o sistema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.