O diálogo entre museus e o público
A importância do diálogo com o público, seja por meio do investimento na interatividade das exposições ou do desenvolvimento de processos de “curadoria compartilhada” – também conhecida como “cocuradoria” -, foi tema constante nos debates do Preserva.ME 2018, realizado pelo Centro da Memória da Eletricidade no Brasil em 25 e 26 de outubro, no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Outro ponto que a maior parte dos 11 palestrantes do evento mencionou foi a necessidade de que, ao lado da preservação da memória – sua missão tradicional -, os museus sejam centros de divulgação científica e tecnológica.
O último ponto foi destacado logo na abertura do evento pelo presidente da Memória da Eletricidade, Augusto Rodrigues. “Um dos desafios das instituições de preservação histórica é transcender o objetivo da recuperação e conservação, buscando também a disseminação concomitante deste conhecimento”, afirmou o executivo.
Exemplos deste caminho não faltaram durante o Preserva.ME 2018, embora as abordagens das instituições sejam diferentes. Assim, a alta tecnologia do Museu do Amanhã, apresentada pelo seu diretor de desenvolvimento científico, Alfredo Tolmasquim, utiliza até inteligência artificial para interagir com o público. Com a ideia de futuro no nome, os profissionais do Museu do Amanhã têm consciência de que, para a falar sobre o que virá, é fundamental saber o que passou. “O Museu do Amanhã trabalha com cenários de futuro e é preciso conhecer o passado para falar desses cenários no hoje, que é o lugar em que passado e futuro se conjugam, se encontram”, comentou Tolmasquim.
Dois dos principais palestrantes do Preserva.ME 2018, os canadenses Anna Adamek e Shane Patey, pesquisadores da Ingenium, também apresentaram suas experiências na troca de informações com o público sobre o tema da energia. Para entender o que os visitantes querem ver nos museus administrados pela Ingenium – organização que cuida de mais dois museus, além do dedicado à Energia – são usados desde pedidos de sugestões, por meio da internet, até conversas diretas com representantes de grupos específicos, como as populações indígenas canadenses.
Linha semelhante segue o Espaço Ciência Viva, localizado na Tijuca, no Rio. Segundo o diretor da instituição, Miguel Sette e Câmara, ela surgiu há 35 anos já com a ideia de trabalhar com as dúvidas das pessoas. “Há 30 anos, fizemos um trabalho com a comunidade do morro do Salgueiro, que nos pediu para estudar uma questão fundamental para ela, que era a poluição da água que saía das caixas d’água espalhadas pelo morro”, contou. Essa abordagem é a linha mestra do Espaço, especialmente quando trata do seu público principal. “As crianças são as que expressam mais facilmente as dúvidas que possuem”, disse o educador.
Divulgar a ciência, porém, não é algo fácil, admite a produtora cultural Luciane Simões, da Casa da Ciência, da UFRJ, que falou sobre a experiência da instituição no assunto. “Não é fácil, mas fica menos difícil se tivermos a humildade de reconhecer que todo o conhecimento pode e deve ser divulgado”, afirmou Luciane, para quem a missão da divulgação da ciência é tirar o conhecimento dos centros onde é produzido para levá-lo à população. “Assim podemos transformar a vida das pessoas, principalmente das crianças”, disse a produtora cultural.
É justamente o trabalho com crianças e jovens o foco da Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho, que usa visitas à sede do Museu Energisa, localizado em Leopoldina, Zona da Mata de Minas Gerais, e montagens de exposições inteiras, levadas por caminhão adaptado às escolas da região, para entender o que seu público deseja. As iniciativas da Fundação – instituição premiada na segunda edição do Prêmio Mario Bhering de Preservação de Memória – foram apresentadas no Preserva.ME 2018 por seu coordenador cultural, Marco Andrade.
Desafios – Uma dificuldade com que se defrontam aqueles que se dedicam a divulgar ciência é a de que os objetos científicos e tecnológicos – como os que se referem à eletricidade – sejam entendidos como passíveis de fazerem parte de museus. Essa possibilidade é essencial, segundo o museólogo Márcio Rangel, do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), para o entendimento do papel da ciência e tecnologia na história do ser humano. “Os objetos científicos e tecnológicos, como os que se referem à eletricidade, são indícios de como essa parte do conhecimento transformou a nossa qualidade de vida e ajudou a criar o mundo como o conhecemos hoje”, explicou.
Essa relação entre a tecnologia e a sociedade é o lugar que ocupa a eletricidade no acervo do Museu Histórico Nacional, instituição mais conhecida pela exibição de objetos cuja referência são a Colônia e o Império, segundo seu diretor Paulo Knauss. “Os objetos do Século XX, o que inclui os elétricos, são usados como forma de discutirmos as relações sociais que representam, como as de gênero e relações sociais, por exemplo”, explicou o diretor do MHN.
A última palestra do Preserva.ME 2018, ministrada por Simone Flores Monteiro, do Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS, trouxe um tema que envolve todos os museus de ciência e tecnologia: as políticas públicas para a área. Coordenadora de projetos museológicos, Simone mostrou como a instituição gaúcha adaptou as diretrizes gerais do governo federal à sua realidade. Um ponto que chamou a atenção foi como o museu gera receitas, usando até a cessão de uma parte de seu espaço para a realização festas particulares, e também realizando oficinas e cursos pagos.
O Preserva.ME, que na edição deste ano foi patrocinado pela Eletrobras, é o principal evento técnico de preservação de memória do setor elétrico brasileiro, congregando profissionais e estudantes de museologia, arquivologia, biblioteconomia e história do setor.
As palestras dos profissionais do Museu Nacional, que, em 2 de setembro teve seu prédio da Quinta da Boa Vista e grande parte do acervo destruído por um incêndio, foram os momentos mais aguardados do Preserva.ME 2018. O diretor da instituição, Alexander Kellner, narrou a repercussão do incêndio na mídia – marcada pela falta de profundidade e desinformação, especialmente nas redes sociais – e entre os acadêmicos de todo o mundo, que se uniram numa corrente de solidariedade. Já as museólogas Thaís Mayumi e Fernanda Santos deram um panorama da situação do Museu e dos planos de recuperação do acervo. “Já choramos muito, e continuamos chorando às vezes, mas o Museu Nacional não está morto porque o museu somos nós”, disse Thaís, em sua emocionada palestra. Na foto, os participantes do segundo dia do Preserva.ME 2018.