Para enfrentar as crises climáticas, não se esqueça da demanda de energia

*Por Olivier Blum

Um novo centro comercial foi inaugurado em uma área metropolitana próspera e em rápido crescimento de Helsinque (Finlândia) no ano passado. Faz parte do complexo Lippulaiva de 117 mil metros quadrados, que também abriga biblioteca, academia, jardim de infância, escritórios, prédios de apartamentos residenciais, estação de metrô e terminal de ônibus.

Uma instalação geotérmica atende a quase todas as necessidades de aquecimento e resfriamento do complexo. Painéis solares no telhado e nas superfícies das paredes geram eletricidade para os elevadores e escadas rolantes do shopping e para a iluminação dos espaços públicos. Os sistemas inteligentes de gestão de energia otimizam os consumos, reduzindo temporariamente o ar-condicionado quando o uso de eletricidade está no seu pico, por exemplo.

O desenvolvimento ilustra as muitas ferramentas que podem ser implantadas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e aumentar a eficiência energética e a resiliência. A busca desses dois objetivos nunca foi tão importante, e, enquanto navegamos pelas crises energéticas e climáticas, precisamos utilizar todo esse kit de ferramentas – otimizando o fornecimento e a demanda de energia, em escala e velocidade.

Existem dois lados na moeda da energia

Os formuladores de políticas de regiões como Europa, Estados Unidos, Japão, China e Índia intensificaram significativamente os compromissos climáticos, galvanizados em parte pelas mudanças geopolíticas e climáticas de 2022.

Até o momento, o foco tem sido predominantemente no lado da oferta: ou seja, na promoção e facilitação da geração de energia limpa produzida localmente a partir do sol, vento, mar e outras fontes naturais. Esses esforços aceleraram significativamente o crescimento das energias renováveis nos últimos anos, reduzindo seu custo no processo ao ponto em que os recursos são agora a fonte mais barata de nova eletricidade a granel para mais de dois terços da população mundial.

E, no entanto, os esforços para intensificar a energia limpa e reduzir o uso de combustíveis fósseis – por mais vitais que sejam – levam tempo e envolvem muitas disputas políticas, como mostrou a reunião COP27 de novembro no Egito.

Portanto, apenas abordar como a energia é gerada – o lado da oferta – simplesmente não é suficiente. Precisamos abordar a outra metade da história também – o lado da demanda da equação de energia: como a energia é consumida, que coletivamente responde por 55% da solução para fornecer energia líquida zero até 2050.

O outro lado da moeda da energia

Em termos simples, trata-se de eficiência energética e eletrificação, que, aliadas às ferramentas digitais certas, definem a próxima revolução energética que chamamos de Eletricidade 4.0.

É verdade que o modelo e a demanda atraem menos manchetes e atenção na mídia e nos círculos de formulação de políticas do que a geração e o fornecimento de energia. Também entre os líderes corporativos, o enorme potencial transformador da eletrificação e das tecnologias de eficiência do lado do consumo permanece subestimado.

Uma pesquisa independente com mais de 500 executivos de alto escalão, encomendada pela Schneider Electric em 2022, descobriu que, embora as considerações de sustentabilidade tenham subido ao topo da agenda corporativa, apenas cerca de metade deles está corrigindo o básico e a maioria não está considerando a combinação completa de ferramentas de descarbonização disponíveis hoje.

Até certo ponto, isso é compreensível. Afinal, o ar-condicionado e o aquecimento elétrico otimizados digitalmente simplesmente não são tão atraentes ou visualmente inspiradores quanto às fazendas solares que abraçam a paisagem e as imponentes turbinas eólicas. E como a eficiência energética é distribuída por milhões de ações e locais – residências, fábricas, prédios de escritórios, sistemas de transporte, shopping centers – é mais difícil perceber seu impacto.

Isso significa que o mundo empresarial e político, como grande parte do público em geral, ainda não percebeu os múltiplos benefícios da eficiência energética alcançáveis por meio de ferramentas relativamente baratas que podem ser implantadas de maneira fácil e rápida. Eles são os heróis desconhecidos, digamos assim, em nossa busca por maior segurança climática e energética.

Estamos falando de sistemas digitais de gerenciamento de edifícios com análise de dados em tempo real que podem detectar e lidar instantaneamente com o desperdício de energia. Além disso, software de automação que podem otimizar os processos de manutenção, fabricação e design e o uso de energia em fábricas e nas cadeias de suprimentos corporativas. Ainda, bombas de calor elétricas e veículos elétricos, que não são apenas mais limpos, mas muito eficientes energeticamente, do que suas contrapartes movidas a combustíveis fósseis.

Todas essas são tecnologias que existem aqui e agora. Elas não requerem anos de desenvolvimento, ou a reformulação de indústrias inteiras, ou a invenção de outras inteiramente novas. São o caminho mais rápido para a transição energética de que o mundo precisa com urgência. Mais de 80% da economia de CO₂ até 2030 vem  da implantação de tecnologias já existentes no mercado, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês).

Esses sistemas também vêm com um retorno sobre o investimento (ROI) muito mais rápido do que muitos imaginam. A gama integrada de soluções no caso Lippulaiva, por exemplo, gerará retorno em apenas cinco anos. E, quando trabalhamos com clientes para instalar soluções digitais de gerenciamento de energia em edifícios existentes, vemos um ROI de apenas dois a cinco anos. A solução para a crise de energia está diante de nós – a economia na conta entre as residências mais e menos eficientes, ao adotar o gerenciamento de energia residencial inteligente, pode ser tipicamente de 40% a 75%, ainda segundo o IEA.

Eficiência energética e eletrificação: criar estratégias, digitalizar e descarbonizar

À medida que avançamos para 2023 e além, uma coisa é certa: temos que agir agora, com todas as ferramentas à nossa disposição, para evitar os piores efeitos das crises climática e energética.

Isso significa prestar mais atenção às adaptações ainda frequentemente subestimadas, econômicas e tecnicamente simples que podem ser implementadas para otimizar o consumo de energia.

Portanto, nosso conselho para empresas, desenvolvedores e famílias em todo o mundo é: invista mais tempo para entender melhor a variedade de tecnologias, estruturas e ferramentas que permitem reduzir custos e emissões de carbono e, finalmente, torná-los compradores mais inteligentes de energia limpa. Não subestime o poder da Eletricidade 4.0 impulsionando a eletrificação e as ferramentas de eficiência digital para reduzir a pegada de carbono em edifícios recém-projetados, em reformas de edifícios existentes e em bairros e cidades.

Na parte de políticas, o ideal é não limitar as iniciativas legislativas para a geração de energia limpa. Além disso, é preciso fornecer mais incentivos regulatórios que vão reforçar a demanda dos consumidores e outros usuários finais por eficiência energética digital e eletrificação com menos custo para os contribuintes. Outro ponto é lembrar-se de que tais intervenções do lado da demanda podem, por sua vez, acelerar a mudança do lado da oferta para fontes de energia limpa.

É uma ignorância, realmente: a eletrificação e a eficiência energética são vitórias rápidas. Não vamos arriscar nosso futuro no cara ou coroa. Vamos garantir que vemos os dois lados.

*Olivier Blum é vice-presidente executivo de Gestão de Energia da Schneider Electric

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